O PS absoluto esmagou toda uma esquerda reduzida a mínimos e pôs uma coroa de flores na defunta geringonça. O PSD levou um valente murro no estômago e ficou encostado às cordas. O CDS soçobrou perante o “glamour” da Iniciativa Liberal e o Chega capitalizou na abstenção, conseguindo grão a grão ficar com a medalha de bronze destas eleições legislativas. A pandemia perdeu, como se viu numa campanha em que ninguém ligou nenhuma a afastamentos ou regras sanitárias, e como provou a adesão às urnas, onde mais 200 mil pessoas que, em 2019, fizeram questão de tratar a “Ómicron” por tu, dando mais importância ao futuro do país do que a um vírus que já parece ter-se vulgarizado.
Foi assim o dia 30 de janeiro de 2022. A estabilidade e a governabilidade ganharam peso, mas a justificada festa de hoje dos socialistas bem pode ser um quebra-cabeças amanhã. Agora, António Costa, rei e senhor de Portugal, não tem mais desculpas para os seus insucessos. Sem quaisquer obstáculos ou forças de bloqueio, vai ter de mostrar o que realmente vale à frente do país. Já não se pode queixar do BE e do PCP para implementar políticas económicas expansionistas e tem tudo ao seu dispor para fazer as reformas que Portugal precisa. Dinheiro não lhe vai faltar. Desde a “bazuca” do PRR ao novo quadro comunitário PT2030, tem recursos e oportunidades de sobra. O mínimo que se pode esperar é que desta vez ponha a economia a crescer a níveis que não nos envergonhem face aos nossos parceiros europeus, num ranking onde somos patinhos feios.
As portagens da A23 e da A25 podem finalmente ser abolidas ou generosamente reduzidas, como anda a propalar o PS nos seus sucessivos programas eleitorais de há anos. Os jovens terão de deixar de emigrar em dimensões obscenas, e o país não tem outro remédio senão captar e fixar talentos que fogem dele todos os dias para outras geografias onde são melhor valorizados e remunerados. Em vez de combater e de perseguir os ricos, o Dr. Costa vai mesmo ter de diminuir os pobres. Trabalhadores para a restauração, construção civil e turismo não podem faltar como hoje faltam. Médicos de família também não, e os hospitais públicos terão de responder às necessidades de consultas, tratamentos e cirurgias em tempos de espera que curem mais do que matam.
A Guarda terá de cobrar o Porto Seco e a modernização da linha de comboios da Beira Alta, o tortuoso IP3 terá de dar lugar a uma autoestrada e a região de Seia, que tem votado em massa no partido do Governo, terá de passar a estar servida com um dos IC6, IC7 e IC37. Os impostos terão de descer e os combustíveis nem se fala. Portugal, que cobra aos seus cidadãos taxas e encargos próprios de hotéis de 5 estrelas, vai agora ter condições de deixar de lhes prestar serviços próprios de tascas (com todo o respeito por quem as tem ou frequenta). A coesão territorial vai ter mesmo de ser praticada com arrojo e com vantagens evidentes para quem vive e investe no interior.
São estas batatas quentes que, para bem ou para o mal, os portugueses deixaram na mão do primeiro-ministro, que ou as consegue degustar ou irão estoirar-lhe nas mãos daqui a quatro anos. A culpa já não irá continuar a ser do Passos e a surpreendente benevolência eleitoral de ontem só por masoquismo poderá repetir-se. António Costa tem agora uma via verde para fazer o que tem de ser feito. Sem pretextos nem subterfúgios. O tempo dirá se o eleitorado que apostou nesta maioria absoluta cometeu ou não um erro histórico. Eu tenho a minha resposta, mas como tenho falhado nas previsões, não a partilho e vou rezar para que esteja enganado!
* Advogado, ex-deputado e antigo líder distrital do PSD