Partiu, no passado dia de 26 de dezembro, Edward Osborne Wilson, o biólogo evolucionista da Universidade de Harvard que era justamente reconhecido como o “herdeiro natural de Darwin” e o “Darwin dos nossos dias”.
Ed. Wilson foi protagonista de uma história de vida ímpar e autor de valiosos contributos para diversas áreas de conhecimento que mudaram a forma como percecionamos o mundo dos seres vivos e a nossa própria existência.
Nascido no sul conservador dos EUA, no seio de uma família religiosa (Igreja Baptista), o contacto com a teoria da evolução afastou-o da crença no sobrenatural. Apaixonado pela natureza desde tenra idade, a perda de visão num olho levou-o a privilegiar a observação de animais de pequena dimensão, nomeadamente os insetos. Volvidas algumas décadas, Ed. Wilson seria consensualmente reconhecido como o maior especialista mundial no estudo de formigas, descrevendo-nos de forma apaixonada os “mundos” fascinantes desses insetos sociais.
A sobrevalorização dos interesses da comunidade por parte das formigas e de outros insetos sociais captou, desde cedo, a sua atenção. A este respeito, Ed. Wilson chegou mesmo a afirmar afirmou que: «Karl Marx tinha razão, o socialismo funciona, apenas se enganou na espécie» (Edward Wilson, 1997).
Foi no determinismo genético e na «seleção de parentesco» que Ed. Wilson encontrou a explicação para o autossacrifício de organismos individuais em prol do coletivo. Os comportamentos dos organismos resultam, fundamentalmente, de instruções genéticas (determinismo genético). Essas instruções podem levar os organismos individuais a adotar comportamentos que favorecem a sobrevivência e reprodução de outros organismos com os quais partilham património genético (e. g. irmãos, primos), mesmo que esses comportamentos se revelem altamente prejudiciais para o organismo que os pratica. Com efeito, comportamentos tidos como altruístas não seriam, afinal, mais do que estratégias de maximização da sobrevivência e da descendência por parte de organismos que partilham os mesmos genes.
Com a publicação da sua obra monumental “Sociobiology: The New Synthesis”, em 1975, Ed. Wilson estendeu o seu modelo teórico a todos os animais sociais, incluindo os seres humanos. A sobrevalorização da base genética do comportamento dos seres humanos, em detrimento da influência do meio, da educação e de outros fatores culturais, aliada à sua intenção expressa de ver as ciências sociais e as humanidades transformadas em «ramos especializados da biologia» (Edward Wilson, 1975), viria a despoletar um dos mais célebres e mais mediáticos debates académicos de sempre.
No decurso do debate, Ed. Wilson foi repetidamente acusado pelos críticos da Sociobiologia de ter aberto as portas a uma legitimação científica de comportamentos humanos eticamente reprováveis, como o racismo, a xenofobia, o machismo e a agressão. Nada mais distante do seu posicionamento político-social. Ed. Wilson era um liberal e um progressista e foi um dos grandes artífices da doutrina que é hoje conhecida por humanismo científico, cujo pilar fundamental definiu na perfeição: «O conhecimento científico, humanizado e bem ensinado, é a chave para alcançarmos um equilíbrio duradouro nas nossas vidas» (Edward Wilson, 2006).
Cientista das grandes sínteses, das unificações disciplinares e da abertura de novas áreas de investigação, Ed. Wilson possuía também uma visão compreensiva do estado civilizacional em que se encontrava a Humanidade: «Possuímos emoções da Idade da Pedra, instituições medievais e tecnologia divina» (Edward Wilson, 2011).
De resto, a conservação ambiental foi a causa a que dedicou grande parte da sua vida, sendo forçoso destacar o seu apelo emotivo à união entre crentes e não crentes nesse esforço. Em 2005, foi estabelecida a E. O. Wilson Biodiversity Foundation para dar continuidade ao seu trabalho na área da educação para a preservação da biodiversidade.
No decurso da sua longa carreira, Ed. Wilson assinou trabalhos pioneiros e de referência nas áreas da biologia evolutiva, da entomologia, da biogeografia, da biodiversidade e da conservação da natureza. A excelência do seu trabalho académico foi devidamente reconhecida ainda em vida, tendo acumulado várias distinções, incluindo um prémio Crafoord (atribuído pela Real Academia Sueca de Ciências para as áreas não abrangidas pelo Prémio Nobel) e dois prémios Pulitzer (On Human Nature – 1979 e The Ants – 1991).
O poeta norte-americano Henry Wadsworth Longfellow afirmou que «quando um grande homem morre, a sua luz continua a iluminar os nossos caminhos por muitos e muitos anos». No caso de Ed. Wilson, os seus contributos foram de tal magnitude que já sabíamos que assim seria muitas décadas antes da sua partida do mundo dos vivos.
Edward O. Wilson (1929-2021): A alma do humanismo científico
“Partiu, no passado dia de 26 de dezembro, Edward Osborne Wilson, o biólogo evolucionista da Universidade de Harvard que era justamente reconhecido como o “herdeiro natural de Darwin” e o “Darwin dos nossos dias”.
Ed. Wilson foi protagonista de uma história de vida ímpar e autor de valiosos contributos para diversas áreas de conhecimento que mudaram a forma como percecionamos o mundo dos seres vivos e a nossa própria existência.
Nascido no sul conservador dos EUA, no seio de uma família religiosa (Igreja Baptista), o contacto com a teoria da evolução afastou-o da crença no sobrenatural. Apaixonado pela natureza desde tenra idade, a perda de visão num olho levou-o a privilegiar a observação de animais de pequena dimensão, nomeadamente os insetos. Volvidas algumas décadas, Ed. Wilson seria consensualmente reconhecido como o maior especialista mundial no estudo de formigas, descrevendo-nos de forma apaixonada os “mundos” fascinantes desses insetos sociais.
A sobrevalorização dos interesses da comunidade por parte das formigas e de outros insetos sociais captou, desde cedo, a sua atenção. A este respeito, Ed. Wilson chegou mesmo a afirmar afirmou que: «Karl Marx tinha razão, o socialismo funciona, apenas se enganou na espécie» (Edward Wilson, 1997).
Foi no determinismo genético e na «seleção de parentesco» que Ed. Wilson encontrou a explicação para o autossacrifício de organismos individuais em prol do coletivo. Os comportamentos dos organismos resultam, fundamentalmente, de instruções genéticas (determinismo genético). Essas instruções podem levar os organismos individuais a adotar comportamentos que favorecem a sobrevivência e reprodução de outros organismos com os quais partilham património genético (e. g. irmãos, primos), mesmo que esses comportamentos se revelem altamente prejudiciais para o organismo que os pratica. Com efeito, comportamentos tidos como altruístas não seriam, afinal, mais do que estratégias de maximização da sobrevivência e da descendência por parte de organismos que partilham os mesmos genes.
Com a publicação da sua obra monumental “Sociobiology: The New Synthesis”, em 1975, Ed. Wilson estendeu o seu modelo teórico a todos os animais sociais, incluindo os seres humanos. A sobrevalorização da base genética do comportamento dos seres humanos, em detrimento da influência do meio, da educação e de outros fatores culturais, aliada à sua intenção expressa de ver as ciências sociais e as humanidades transformadas em «ramos especializados da biologia» (Edward Wilson, 1975), viria a despoletar um dos mais célebres e mais mediáticos debates académicos de sempre.
No decurso do debate, Ed. Wilson foi repetidamente acusado pelos críticos da Sociobiologia de ter aberto as portas a uma legitimação científica de comportamentos humanos eticamente reprováveis, como o racismo, a xenofobia, o machismo e a agressão. Nada mais distante do seu posicionamento político-social. Ed. Wilson era um liberal e um progressista e foi um dos grandes artífices da doutrina que é hoje conhecida por humanismo científico, cujo pilar fundamental definiu na perfeição: «O conhecimento científico, humanizado e bem ensinado, é a chave para alcançarmos um equilíbrio duradouro nas nossas vidas» (Edward Wilson, 2006).
Cientista das grandes sínteses, das unificações disciplinares e da abertura de novas áreas de investigação, Ed. Wilson possuía também uma visão compreensiva do estado civilizacional em que se encontrava a Humanidade: «Possuímos emoções da Idade da Pedra, instituições medievais e tecnologia divina» (Edward Wilson, 2011).
De resto, a conservação ambiental foi a causa a que dedicou grande parte da sua vida, sendo forçoso destacar o seu apelo emotivo à união entre crentes e não crentes nesse esforço. Em 2005, foi estabelecida a E. O. Wilson Biodiversity Foundation para dar continuidade ao seu trabalho na área da educação para a preservação da biodiversidade.
No decurso da sua longa carreira, Ed. Wilson assinou trabalhos pioneiros e de referência nas áreas da biologia evolutiva, da entomologia, da biogeografia, da biodiversidade e da conservação da natureza. A excelência do seu trabalho académico foi devidamente reconhecida ainda em vida, tendo acumulado várias distinções, incluindo um prémio Crafoord (atribuído pela Real Academia Sueca de Ciências para as áreas não abrangidas pelo Prémio Nobel) e dois prémios Pulitzer (On Human Nature – 1979 e The Ants – 1991).
O poeta norte-americano Henry Wadsworth Longfellow afirmou que «quando um grande homem morre, a sua luz continua a iluminar os nossos caminhos por muitos e muitos anos». No caso de Ed. Wilson, os seus contributos foram de tal magnitude que já sabíamos que assim seria muitas décadas antes da sua partida do mundo dos vivos.”