Na passagem de ano todos fazemos as melhores preces para o ano seguinte. Mas nem sempre temos o melhor discernimento para não cair nas mesmas asneiras e desperdícios dos anos anteriores. Este ano de 2022 é mesmo um daqueles em que podemos virar a página.
Daqui a dias, vamos escolher os nossos deputados para os próximos tempos, decidindo quem vai ser a nossa voz no Parlamento e quem vai administrar o país na legislatura que se segue. Os recentes estudos de opinião apontam para uma percentagem muito significativa de indecisos, o que não só espelha um reduzido entusiasmo com a atual governação como também uma relativa resistência à mudança. Mas apontam igualmente para um esbatimento da diferença entre Costa e Rio, com este último a assumir-se cada vez mais como alternativa. Se lá chegará ou não depende da sua arte para orientar o eleitorado para o chamado “voto útil”, isto é, para aquele voto de conveniência no PSD, por ser o único que pode oferecer uma solução diferente da geringonça e não demasiado condicionada pela fragmentação partidária à direita.
Cada um fará o que achar melhor. Mas escolher o futuro sem olhar para o passado é correr o perigoso risco de deixar tudo na mesma. É apostar num modelo sem rasgo, sem reformas e sem glória. É reincidir na marcha atrás e querer que o país continue a ser ultrapassado no crescimento por quase todos os países da Europa, como foi nos últimos anos, em que 11 nos passaram à frente. É fingir não perceber que tudo vai subir, desde as portagens, ao pão, aos combustíveis, ao gás, à eletricidade, às telecomunicações, às rendas, aos transportes, às inspeções automóveis, tudo menos o rendimento dos portugueses, que vai descer. É assistir com indiferença à exuberante falta de mão de obra na restauração, na construção civil, na agricultura e no turismo, potenciada por um sistema perverso e mal calibrado de apoios sociais e de subsídios de desemprego, e ficar de braços cruzados à espera do desastre.
É não querer saber que mais de 80% dos empregos da “bazuca” ficam em Lisboa, com o resto do país, especialmente o interior, a continuar ignorado, desprezado e esvaziado. É esquecer os resultados dos Censos 2021, que sentenciaram o envelhecimento e a litoralização de Portugal, que se concentrou à volta de Lisboa, sendo quase tudo o resto paisagem. É não se indignar contra a tendência de 60% dos jovens entre os 15 e os 25 anos que vivem no interior ponderarem mudar-se para o litoral, por terem mais oportunidades de educação e emprego. É não dar um “murro na mesa” contra a desgraça que fulmina o nosso sistema de saúde, realisticamente retratado pelo chefe de equipa da urgência da ULS da Guarda, ao afixar um papel na porta do Hospital a informar que durante uma noite «só os doentes críticos e em risco de vida» teriam apoio assegurado, «por falta de médicos».
É conformar-se com um Portugal profundo onde a cobertura de rede de telecomunicações e de internet fica a léguas de outras geografias, afastando pessoas, investimentos e atividade económica. É não se importar com o obsceno e promiscuo “polvo” que cresceu na administração pública como erva em prado, como prova a vergonha das nomeações na Segurança Social da Guarda, com substituição de gente competente por esposas, comadres e séquitos de personalidades cuja maior virtude conhecida é serem encartados da família socialista.
Quis a direção do meu partido que eu não continuasse a representar o distrito da Guarda na Assembleia da República. Deixei esse palco, mas não deixei de ser da Guarda nem deixarei de expressar o que sinto com sentido crítico. E o que sinto obriga-me a dizer que não quero mais do mesmo. Para mim, o melhor do ano novo é não repetir as velhas más práticas.
* Deputado do PSD na Assembleia da República pelo círculo da Guarda