Não há eleição em que se não fale de reformas. A “troika” exigia reformas, os partidos querem reformas, a não ser quando querem a anulação de reformas, como o Partido Comunista, todos querem, no fundo, mudar o que está. Quererão também uma sociedade mais justa, um Estado mais eficiente, uma economia que consiga satisfazer as necessidades do país.
Todos querem mudar, mas há um problema: ninguém diz exatamente o que está mal e como o mudar. André Ventura, por exemplo, enche a boca com o combate à corrupção, mas não enuncia uma única medida dirigida a resolver o problema. Rui Rio, no último congresso do PSD, passa mais de meia hora a falar em reformas, mas não apresenta nenhuma medida concreta. António Costa, em mandato e meio não apresenta uma solução para os problemas estruturais do país. Em resumo: todos sabem que é preciso mudar, mas ninguém sabe muito bem o quê e muito menos como fazê-lo.
A justiça, por exemplo. O mau funcionamento da justiça é um obstáculo ao desenvolvimento do país e à confiança dos operadores económicos. Não é admissível que a impugnação judicial de uma decisão da administração fiscal demore mais de cinco anos (ou de três, ou de dois…) a ser decidida. Não é admissível que os tribunais sejam complacentes com a desonestidade das partes, com as mentiras das testemunhas, com manobras dilatórias. Não é possível também proferir boas decisões quando diplomas fundamentais são alterados ano sim, ano não, deitando para o lixo anos de evolução de jurisprudência e doutrinal e tornando o sistema tão complexo que ninguém tem já certezas sobre o seu funcionamento.
Está a ser feita alguma coisa, como a publicação de legislação em linguagem acessível e a eliminação de diplomas obsoletos, mas não chega. A uniformização de procedimentos entre o processo civil, o administrativo e o laboral era um caminho, tal como a consolidação numa só das várias plataformas eletrónicas. Outra seria a melhor formação dos magistrados ou a exigência de uma idade mínima, com a correspondente experiência profissional, para se poder aceder à magistratura. Outra ainda seria a sua eleição, como nos Estados Unidos. Outra seria uma mais pesada reação da justiça à desonestidade das partes e das testemunhas.
Um exemplo recente mostra como passou a valer quase tudo e como a justiça passou a ser cada vez mais fácil de driblar. O caso de Ricardo Salgado e do BES tem de tudo: questões financeiras complexas, uma zona cinzenta dificilmente discernível em que a aparente legalidade choca com resultados catastróficos se calhar perfeitamente previsíveis, milhares e milhares de documentos que precisam de ser analisados, tudo a ameaçar desembocar, mais uma vez, na prescrição. A defesa apresenta agora um novo argumento, claramente destinado a atrasar os trabalhos, baseado no facto de Salgado ter contraído Alzheimer e, ao não poder acompanhar os trabalhos, por falta de capacidade cognitiva, ser necessário suspender o julgamento. Deixem-me ver se entendi: é necessário suspender o julgamento por Ricardo Salgado ter Alzheimer. E até quando? Até se curar? Não me entendam mal: o estado cognitivo do arguido é importante, como é importante para o tribunal assegurar-se que ele é capaz de se defender, mas suspender o processo parece ser apenas mais um passo no caminho da prescrição. Entretanto, desde que surgiram as primeiras notícias sobre isto passou meio ano e nesse espaço de tempo Ricardo Salgado foi passar férias à Sardenha. Os passos seguintes no processo passam por um recurso com efeito suspensivo e invocação de inconstitucionalidades, para poder chegar ao Tribunal Constitucional.
Entretanto o Ministério Público pergunta se já foi nomeado acompanhante (ou tutor) a Ricardo Salgado. De seguida vai procurar estabelecer-se o início da doença, para efeitos de determinação da responsabilidade criminal e eventual anulação de negócios. Os peritos vão desfilar na sala de audiências e uns vão dizer que Salgado tinha capacidade de entendimento, outros que não tinha, outros que é impossível determinar o momento exato, ou aproximado, em que começou o problema. Mas todos vão saber qual a data exata de prescrição do processo e esta vai chegar.
As reformas
“A justiça, por exemplo. O mau funcionamento da justiça é um obstáculo ao desenvolvimento do país e à confiança dos operadores económicos. “