O comportamento humilhante, degradante, degrada-nos sempre enquanto pessoas, mesmo que não haja a possibilidade de retribuição de respeito e talvez sobretudo nessa situação. Será por isso que não matamos, não roubamos, nem abusamos. Enquanto membros de uma sociedade, podemos e devemos recusar prestarmo-nos a qualquer dessas ações. Ainda que se nos assomem legal e procedimentalmente legítimas, devemos resistir à tentação (muito humana) de humilhar. Resistir ao impulso de passar à crueldade das ações e a devaneios obnóxios, até perante os mais repulsivos, será a única coisa que nos aproxima daquilo que costumamos sintetizar no conceito de “Deus”. Conceito de que andarão, talvez irremediavelmente, muito afastados tanto os militares da GNR, apanhados a torturar e a humilhar imigrantes, como também aqueles que doentiamente alimentam a sobre-exposição mediática e irracionalmente justiceira de apenas alguns dos prevaricadores. Sendo que o mais preocupante, nestes nossos momentos enquanto sociedade, será o facto de terem aparecido alguns figurões a considerarem qualquer evento como muito oportuno para a recuperação de algumas práticas e crenças medievais.
Sob o chapéu da democracia, a pulso conquistada, reemergem assim os “escolhidos” de “Deus”. Ali, e também aqui, há já quem sem pejo algum se autodenomine o “escolhido” de deus ou por deus. Predicado que, alegadamente, tudo lhes permitirá e justificará, desde as maiores inconsistências político-filosóficas até às piores atrocidades. Não admira, portanto, que de imediato reajam aos eventos protagonizados pelos militares do Alentejo com a tenacidade de quem diz uma coisa, sabendo que está a querer defender outra. Reduzindo tudo à ambiguidade propositada de quem exprimindo uma fraca condenação aproveita logo para robustecer a defesa, interesseira e despropositada, de uma classe que não se identificando com qualquer dos acontecimentos, os não conseguiu evitar.
Aqui chegados, só a nossa convicção inabalável de que as instituições são a base da democracia e de que a perfeição não existe, nos impedirá de concluir que, mais do que não funcionarem, algo de muito estranho se passará com a justiça em geral e com as forças de segurança em particular. Exemplo disso, além dos mencionados, serão as conclusões dos relatórios da Amnistia Internacional que identificam todas estas fragilidades como recorrentes. Evidenciando que as condições nas prisões e a violência policial dirigida às minorias são um problema estrutural a que o Estado português não tem conseguido responder. Fenómeno a que, a par do preconceito generalizado e do fraco juízo de alguns juízes, não será de todo alheia esta nossa propensão para agir de forma diversa da que gostamos de assumir aos domingos, sábados e feriados. Aliás, podemos até pensar que, se não fosse por tão humana escapatória, até já teríamos exigido gestão mais escrutinada da justiça e forças de segurança.
“À mon humble avis” (porque, se fosse “na minha humilde opinião”, aposto que ninguém lia)
“Não admira, portanto, que de imediato reajam aos eventos protagonizados pelos militares do Alentejo com a tenacidade de quem diz uma coisa.”