Em entrevista à revista Ípsilon o cineasta Emir Kusturica afirmou que «a felicidade produzida pela arte é o maior feito dos homens». Para o realizador sérvio, clarões de felicidade «são mais poderosos do que uma bomba», mas as centelhas de felicidade são produzidas especialmente pela pintura, pela escultura, pelo teatro, pelo cinema, pela literatura, pela poesia… pelo património, pelos monumentos, palácios e museus. Por isso, o investimento que os Estados fazem na cultura é sempre muito menos do que aquilo que todos recebemos em troca.
Olhando para o site do Ministério da Cultura, facilmente constatamos que todo o investimento público em cultura (0,21% do Orçamento de Estado em 2021) é feito a menos de 50 km do litoral, ou seja, o apoio direto do Estado às artes fica-se pela faixa costeira, entre o Porto e Lisboa, excluindo o interior (ou o resto do país). Nesta lamentável realidade há uma exceção, o Museu do Côa, que é a única infraestrutura cultural financiada diretamente pelo Estado português – uma ilha de vida cultural e de apoio direto do Estado à arte e ao património cultural no interior do país.
Este ininteligível contexto confirma a dimensão extraordinária da arte do Côa e da obra arquitetónica e patrimonial do Museu. Se mais razões não houvesse esta bastaria para abraçarmos o Douro, mas há muito mais!
Na semana passada o “Alto Douro Vinhateiro” comemorou os 20 anos de classificação de património da humanidade pela UNESCO e, entre Lamego e Vila Real, foi por todos enaltecida a natureza e a força dos homens que transformaram aquelas colinas agrestes em socalcos ricos de vinhedos e território de paisagens únicas no mundo. Mas, e enquanto outros “conquistam” o Douro, o distrito da Guarda, que até 1855 ainda incluía São João da Pesqueira (o “coração” do alto douro vinhateiro), vai perdendo o seu vínculo às terras durienses. Estranhamente, a Guarda preocupa-se demasiado com a Serra e pouco com o Côa e menos ainda com o Douro. Mêda, Pinhel, Figueira de Castelo Rodrigo e Vila Nova de Foz Côa são concelhos carregados de contrastes, com uma natureza frondosa excecional, com arte e história, onde o Museu do Côa merece uma visita mais demorada por estes dias, para, enquanto conhecemos o Parque Arqueológico do Vale do Côa, desfrutar da exposição fotográfica “Côa Douro para memória futura”, sobre a paisagem e a riqueza destes dois patrimónios da Humanidade. As comemorações começaram oficialmente em Lamego, mas o norte do distrito da Guarda é a parte mais rica da arte rupestre, da paisagem e da natureza magistral do alto douro.
E é também, voltando a Emir Kusturica, sentindo que «a felicidade produzida pela arte é o maior feito dos homens” que nos devemos perguntar pelo futuro da Candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura. Porque o caminho trilhado fez sentido, e foi apenas a primeira parte de uma longa caminhada, de agregação de uma região sempre tão dividida.
A Candidatura da Guarda a Capital Europeia merece o maior dos otimismos mesmo quando tantos parecem desistir deste extraordinário desiderato. Em nome da felicidade, e da felicidade que a arte pode dar aos homens e mulheres desta região, abracemos esta causa comum, a causa da cultura e do desenvolvimento social e cultural da região: O Alto Douro Vinhateiro, o Parque Arqueológico do Côa, o Museu, a Candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura, as aldeias históricas, os castelos das raia, a dinamização transfronteiriça e as muralhas de Almeida ou, de forma muito especial neste momento de luto, o polo museológico “Vilar Formoso Fronteira da Paz, Memorial aos Refugiados e ao cônsul Aristides de Sousa Mendes” são tantos os argumentos para estes serem territórios de alta intensidade. E ainda há o vinho, o melhor vinho do mundo!
Neste Natal vamos conhecer e viajar pelo distrito da Guarda, entre a raia e o Dão, entre a Serra da Estrela e a imensidão do Douro, uma pequena região com um mundo lá dentro.
Boas Festas.