A falta de planeamento estratégico entre a formação e a fixação dos recursos humanos em saúde traduz-se na dura realidade de não pode ser circunscrita a sua análise aos momentos críticos ou circunstanciais.
Refiro-me à realidade concreta na área da saúde, bem como no socorro, este nas diversas dimensões, não esquecendo os ensinamentos que devemos todos retirar da pandemia Covid para evitar outra, a pandemia social.
Não compreendo as razões políticas centrais, com a conivência silenciosa dos autarcas, que permitem o definhamento da resposta pública numa área fundamental – a prevenção da doença e promoção da saúde ao nível dos cuidados de saúde primários.
As premissas dos responsáveis pelas ineficiências no SNS fomentaram o negócio da doença. Os que, à boleia das alterações da Lei de Bases, pretenderam impor ideologicamente a matriz neoliberal, esta começada em 1990, aprofundada em 2002 com os mesmos intervenientes, nomeadamente no PSD, que provocou alterações cirúrgicas na gestão hospitalar levando à criação dos hospitais SA e à destruição das carreiras profissionais. Hoje, a ULS da Guarda sofre e sofrerá as consequências na destruição das carreiras profissionais e do lastro dos “caixeiros viajantes” da medicina ao serviço dos interesses das empresas de prestação de serviços e não numa resposta pública articulada entre os CSP e CH.
É urgente investimentos estruturais e planificados no SNS com vista aos princípios constitucionais de universalidade do acesso na base da prestação pública e não fomentar o caminho do privado pela via do financiamento público, seja de forma direta ou indireta.
Há opções ideológicas em todos os campos, os que defendem genuinamente o SNS e exigem ao PS uma regulamentação profunda da Lei de Bases da Saúde e os que desde o início nunca foram amantes do SNS.
São décadas de ataques cirúrgicos ao aniquilamento do SNS, estes têm rosto e nome – PSD/CDS e a inércia ideológica do PS que não tem dado oportunidade de recentrar as opções ideológicas e políticas aos serviços dos utentes e dos profissionais de saúde do SNS.
Os interesses dos grupos económicos da saúde têm capturado o nosso SNS em áreas estratégicas fundamentais, desde os exames complementares de diagnóstico, aos cheques cirurgia, aos internamentos não Covid, entre outras áreas.
Deixemo-nos de hipocrisia e enfrentemos o problema de frente: refundar o SNS com separação clara entre setor público e privado, valorização efetiva das carreiras profissionais no Serviço Nacional de Saúde para evitar fugas e promiscuidade com o setor privado. Em último recurso, aplicar um princípio similar como nas forças armadas em áreas estratégicas e fundamentais médicas. O caminho percorrido fomentou o enviesamento na distribuição de recursos humanos pelo território nacional comprometendo a justa distribuição com vista à necessária coesão social e territorial. Não precisamos de ministério para a coesão do interior, precisamos de políticas públicas entre os diversos domínios da gestão pública para que haja um novo rumo, este fundamental para travar o caminho do despovoamento do interior e com repercussão profunda no mundo rural.
Tal como a saúde, há outras áreas em que os interesses económicos se sobrepõem, socorro-me do Observatório Técnico Independente criado no âmbito da Assembleia da República, que elaborou o relatório da avaliação do sistema de proteção civil e de defesa da floresta contra incêndios. O mesmo frisa a complexidade do sistema numa caraterização que sintetizou assim: «A complexidade do sistema é fruto da complexidade do problema, mas também de um histórico de acumulação de entidades e estruturas que se vão criando ao longo do tempo, sendo muito mais fácil e politicamente atraente criar novas entidades ou estruturas do que as extinguir ou fundi-las de modo a torná-lo mais operacional».
O mundo rural está ao abandono e não será porventura a constituição de equipas de sapadores florestais e reforço de equipas, bem como a valorização do papel dos bombeiros, que resolverá os problemas estruturais do despovoamento e envelhecimento populacional, bem como o desordenamento florestal.
Não basta apregoar o valor insubstituível do voluntariado e a qualidade técnica e operacional que os bombeiros voluntários hoje possuem, é urgente a profissionalização. No entanto, não pode estar assente apenas na dita responsabilidade política de proximidade, os municípios, tendo por base o quadro das responsabilidades que a Lei confere às Autarquias, quanto à proteção de pessoas e bens.
Não basta ficar pelas recomendações, é urgente apresentar propostas que contribuam para a resolução estrutural dos problemas referenciados a bem das funções nucleares do Estado. A saúde também necessita de uma eficaz proteção civil, não circunscrita na missão de combate aos incêndios florestais. As catástrofes evitam-se com investimentos nas funções sociais do Estado, que existe para servir os cidadãos e não interesses obscuros que, muitas vezes, gravitam na esfera dos diversos patamares de decisão.
Não basta votar é fundamental exigir aos eleitos o cumprimento dos compromissos eleitorais. É fundamental uma democracia participativa e vigilante perante os que governam a causa pública.
* Militante do PCP