Diz quem se dedica a estudar estas coisas, do sono perturbado, curto e entrecortado, que a coisa pode acabar tanto pior quanto mais essas perturbações todas se repetirem. Conclusão que não deixará ninguém, que viva aqui pela minha rua, descansado. Pois, sendo bem verdade que o acesso a certas redes e equipamentos atrai pessoas para a cidade e, igualmente verdade, que a concentração de pessoas deve implicar a introdução de novas redes e equipamentos, isto, por si só, não significa que a cidade fique melhor ou mais atrativa. Como quem diz, saudável e prazenteira. Por exemplo, a minha rua é desafogada, ampla e bonita. Tem muitos canteiros. Uns, desde sempre, outros, recentes. Tão recentes que ainda ninguém teve a coragem de os desencaixotar. Permanecem altivos e inacessíveis por trás de umas fitas presas a uns cartazes a avisar que é proibido transpô-las, à espera que alguém se disponha a vir acabar-lhes a maquilhagem e a inaugurá-los. Cresceram, ou melhor, foram plantados à volta de um recinto desportivo de chão encarquilhado e muro desdentado por anos de taipas quebradas pela força das boladas. Juvenis, umas, nem tanto, outras. Vá lá, do mal, o menos, em vez de aqueles aspirantes a vândalos irem para outro lado qualquer, partir umas floreiras, uns vidros de paragem de autocarro e umas lâmpadas daquelas enterradas no chão, vinham para aqui desentaipar o campo de jogos à bolada. Não fora por isso, por serem jovens, ou quase, e estarem a praticar um desporto ainda sem nome que mais arrelias nasceriam a quem não conseguia dormir com o barulho das tábuas a estalar sob a pressão da bola. Concluindo, a minha rua acumula todas as condições para ser uma excelente rua para se viver com o senão de aí existir um “sintético”.
Aqui há tempos, num dia, não muito longínquo, vieram os homens das obras para iniciar a “limpeza” e arrumação dos canteiros da minha rua e do espaço circundante. Mesmo sem ter sido tida nem achada, quanto a projeto tão projetado, à vizinhança ascendeu-se-lhe uma chaminha de esperança: é desta que vão tirar o “campo”. Mas, qual quê… agora, entaipado de novo para combinar com o brilho da relva fresca sempre a pedir mais água, o belo do “campo” desafia ainda mais a paciência de quem se vê emboscado, nesta caixa-de-ressonância formada pelos cerca de vinte edifícios de apartamentos, pela ribombada desportiva. Mas, pronto, podia ser pior. Olha se ao lado de casa, em vez de um “sintético”, tivéssemos muita maquinaria pesada, daquela que faz muito pó e barulho, a funcionar de noite e de dia? Não só teríamos que continuar a insurgir-nos contra a falta de médicos oftalmologistas, ortopedistas, pneumologistas e assim, como nos veríamos obrigados a reivindicar também mais psiquiatras. Afinal, sendo indiscutível que, para que a cidade fique mais atrativa, têm de ir atualizando as tais redes de ligação, de conexão e equipamentos, se o propósito disso tudo não for o de promover a qualidade de vida dos cidadãos, convém sempre que se lhe invente outro qualquer.
A saúde e a cidade
“Sendo bem verdade que o acesso a certas redes e equipamentos atrai pessoas para a cidade e, igualmente verdade, que a concentração de pessoas deve implicar a introdução de novas redes e equipamentos.”