Desde setembro que «não devem» ser propostos ou inscritos mais doentes para cirurgia oftalmológica na Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda.
A decisão foi recentemente reiterada pelo novo presidente do Conselho de Administração, João Barranca, que herdou o assunto dos seus antecessores e volta a invocar uma recomendação da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). «Até que a ULS da Guarda considere que estão reunidas as condições para garantir o acesso a cuidados de saúde dentro do tempo máximo de resposta garantido», devem os médicos oftalmologistas da unidade hospitalar «abster-se de propor intervenções cirúrgicas, encaminhando os doentes para outras unidades». A decisão não apanhou de surpresa Henrique Fernandes, para quem esta «ordem» da administração da ULS «nada tem a ver com a Covid-19» e é «uma interferência grosseira» na autonomia clínica dos médicos.
«Temos o dever de fazer sempre aquilo que achamos ser melhor para os nossos doentes, seja prescrever um medicamento, colocar uma lente de contacto ou propor uma cirurgia», recorda o oftalmologista, que garante que é «exatamente isso» que vai continuar a fazer. Na sua opinião, as consequências desta decisão, que também foi transmitida aos médicos de família, serão, «caso a ordem seja cumprida, a condenação de dezenas ou centenas de doentes à cegueira e à extinção deste serviço na ULS da Guarda». A O INTERIOR, Henrique Fernandes acrescenta que a Oftalmologia representou, em 2019, «mais de 50 por cento da atividade cirúrgica ambulatória da ULS e cerca de 38,6 por cento de toda a sua atividade cirúrgica, respetivamente entre ambulatória e não ambulatória».
O médico quer por isso saber o que pensam os políticos locais desta «grave ameaça ao futuro» unidade hospitalar guardense. «Além do descrito sinal negativo enviado ao mercado, esta situação representa, uma vez que a Oftalmologia era a especialidade cirúrgica mais produtiva para o financiamento da ULS, o risco de colapso em catadupa de diversos outros serviços locais, pelo seu impacto na estrutura global da produção cirúrgica», avisa Henrique Fernandes. O INTERIOR pediu esclarecimentos sobre este assunto à administração da ULS, que não respondeu até à hora do fecho desta edição.
O serviço de Oftalmologia é um dos mais carenciados do Hospital da Guarda, tendo perdido seis especialistas no último ano e meio. Uma das saídas mais retumbantes foi a de José Varela, então diretor do serviço que se demitiu da função pública em dezembro do ano passado. O médico bateu com a porta, entre outras razões, por a administração hospitalar não ter indicado o novo responsável da Oftalmologia e ter invocado a lei para forçar José Varela a manter-se em funções até a nomeação do novo diretor.