Sociedade

Trancosense na vanguarda da investigação do cancro da mama e pulmão

Ines Godet (1)
Escrito por Sofia Pereira

Inês Godet concluiu o mestrado e doutoramento na conceituada Universidade Johns Hopkins e atualmente está a fazer uma pós-graduação em Nova Iorque

A trancosense Inês Godet está em Nova Iorque a fazer um pós-doutoramento em Oncobiologia e, neste momento, procura formas de combater a metástase de cancro de pulmão, tendo investigado anteriormente o cancro da mama. As suas pesquisas abordam sobretudo as metástases, ou seja, a formação de um novo tumor a partir de um anterior.
Desde pequena que a jovem natural de Trancoso tem um «fascínio» por diagnósticos relacionados com cancro por causa de «ver filmes e séries médicas desde muito cedo», mas também por ser uma «doença muito difícil de prever, que surge aleatoriamente em pessoas saudáveis ou não, independentemente da idade, e de forma muito diferente de paciente para paciente». Inês Godet concluiu o ensino secundário na área de Ciências e Tecnologias no Agrupamento de Escolas de Trancoso, onde o professor de Biologia do 12º ano sugeriu aos alunos que escolhessem uma questão biológica e propusessem uma solução. Confrontada com este desafio, a então finalista decidiu investigar «uma doença crónica sobre a qual não havia muita informação disponível» e foi quando descobriu «um mundo digital de artigos produzidos por cientistas que tentavam conhecer os porquês das doenças».
Este trabalho de pesquisa levou Inês Godet a olhar para a investigação científica como algo que «gostaria de fazer». A medicina não era exatamente o que procurava, «não queria propriamente tratar o paciente, apesar de isso ser importantíssimo. Tinha mais curiosidade nas razões biológicas das doenças», lembra. Depois de concluir o secundário, a trancosense ingressou no curso de Engenharia Biológica no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e deu os primeiros passos naquilo que gosta de fazer. Participou em várias atividades extracurriculares, não só para «aprender novas coisas», mas também para «aumentar o currículo e conhecer pessoas». Foi numa dessas iniciativas que a futura investigadora teve uma epifania: «Estive no sítio certo à hora certa», considera. Isto porque uma colega estava na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos Estados Unidos, e ajudou Inês Godet a ter «a oportunidade» de fazer a tese de mestrado em Engenharia Biológica naquela prestigiada universidade.
Tudo correu «como esperado» e o professor/orientador do mestrado acabou por convidar a jovem de Trancoso a trabalhar no seu laboratório nos Estados Unidos. «Também fui convidada a ficar e a fazer o doutoramento, em que apliquei ferramentas de bioengenharia a questões da metástase do cancro da mama», adianta. Depois de concluir o mestrado e o doutoramento, Inês Godet, mudou-se para Nova Iorque para fazer o «pós-doutoramento», onde trabalha com as células que iniciam a metástase, desta vez no cancro de pulmão. «É uma população muito específica e difícil de identificar, mas tem sido um trabalho muito desafiante», realça. «O nosso sistema imunitário, por vezes, não deteta estas doenças e não tenta eliminá-las e a verdade é que os tratamentos que têm sido estabelecidos nas últimas décadas falham constantemente. Daí ser uma questão muito complexa para mim, mas também muito interessante do ponto de vista científico», explica Inês Godet a O INTERIOR.
A investigadora adianta que «cerca de 90 por cento dos pacientes que morrem com cancro é devido a metástase. Todos ouvimos histórias de pessoas diagnosticadas com a doença que passam pela cirurgia e, depois do tumor ser removido, conseguem viver uma vida normal, livre de cancro». Segundo Inês Godet, o problema é quando há metástase, «porque o cancro pode recorrer noutro sítio do corpo e, normalmente, as células do cancro já estão noutro órgão, sendo muito agressivo e fulminante». É esta questão que suscita o interesse da trancosense: «Será que podíamos prevenir a segunda parte da doença? Salvaríamos muitas vidas, se fosse possível, porque estas células específicas têm capacidade extra para sobreviver a tudo e depois provocam as metástases letais», acrescenta.
Inês Godet recorda um «abre olhos» que teve durante o doutoramento. Quando analisava as metástases em ratos, a certa altura teve a oportunidade de participar no programa de autópsias da Johns Hopkins, em que doentes terminais optam por doar o corpo à ciência. «Os investigadores da universidade podem utilizar os tecidos destes doentes para informar as investigações atuais. Eu pude recolher amostras», lembra, admitindo ter sido «impressionante» ver uma autópsia, principalmente depois de perceber que «eram semelhantes às dos meus ratinhos». Contudo, o que mais a impressionou nesta experiência foi «olhar para pessoas, que de certeza tinham filhos e netos e deixaram esse legado para trás. Foi isso que deu sentido a tudo o que eu estava a fazer», sublinha.
A investigadora já teve casos de cancro entre os amigos e familiares e diz que «é sempre duro, porque, às vezes, as notícias não são boas e eu não consigo simplesmente dizer que o cenário é estatisticamente negro. Tento sempre dar esperança», mas os doentes diagnosticados são todos os dias «uma inspiração» para Inês Godet, que saiu de Portugal há nove anos e, aos 32 anos de idade, está em Nova Iorque a investigar as causas do cancro do pulmão e da mama.

 

Sofia Pereira

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