Júlio Sarmento, dois ex-vereadores, um presidente de Junta e quatro empreiteiros, vão ser julgados pelos crimes de prevaricação de titular de cargo político, participação económica em negócio e falsificação de documento.
O despacho de pronúncia que resultou do debate instrutório realizado no passado dia 28 de maio, no Tribunal de Trancoso, sustenta «estar suficientemente indiciada a prática pelos arguidos dos crimes que lhe são imputados no libelo acusatório» e que os mesmos não conseguiram «abalar a prova» reunida em sede de inquérito. O caso envolve factos que ocorreram entre 2008 e 2013, tendo o Ministério Público (MP) do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Coimbra, após investigação da Polícia Judiciária da Guarda – motivada por uma denúncia do executivo de Amílcar Salvador, que sucedeu a Júlio Sarmento nas autárquicas de 2013 – deduzido acusação contra Júlio Sarmento, ex-presidente da Câmara de Trancoso e histórico dirigente do PSD no distrito da Guarda, os antigos vereadores do PSD João Carvalho e João Rodrigues, o ex-presidente de Junta de Freguesia do Reboleiro José Nascimento, a empresa Aurélio Lopes & Irmãos e o empreiteiro António Baraças.
Em causa estão, designadamente, «imputações de realização de obras públicas em violação de regras de execução orçamental e de procedimentos concursais, bem como o pagamento de obras por valores superiores aos reais, em prejuízo do erário público». O MP sustenta que Júlio Sarmento «arquitetou um plano» com os restantes arguidos para concretizar obras que não estavam contempladas no Orçamento da Câmara, que enfrentava problemas financeiros, e foram realizadas sem concursos públicos. Segundo esse «plano», as empreitadas de reparação de estradas e de saneamento básico eram contratadas pelas Juntas de Freguesia e as empresas reclamavam o pagamento à autarquia, o que Júlio Sarmento terá assumido «sem suporte legal».
Na sua investigação, a PJ terá apurado um «património incongruente» do ex-presidente da autarquia e da sua mulher face aos seus rendimentos lícitos num valor total de 498.334,04 euros e, em consequência, o MP requereu a perda a favor do Estado de bens até esse montante, incluindo cinco casas adquiridas entre 2011 e 2016 em Trancoso, na Guarda e em Vilamoura (Algarve). O ministério Público também requereu a perda de mandato de João Carvalho e João Rodrigues, que exercem novas funções como titulares de órgãos políticos, e solicitou a perda a favor do Estado de vantagem no valor de 274.549,14 euros. Factos que levaram o MP a acusar Júlio Sarmento de cinco crimes de prevaricação de titular de cargo político e outros cinco de falsificação de documentos qualificado. Já o ex-vereador João Rodrigues está acusado de um crime de prevaricação de titular de cargo político, em concurso aparente com um crime de participação económica em negócio e um crime de abuso de poder. João Carvalho está acusado de cinco crimes de falsificação de documentos e o ex-presidente de Junta de Freguesia do Reboleiro e atual membro da Assembleia Municipal é acusado de um crime de prevaricação de titular de cargo político. Os quatro empreiteiros também estão acusados de diversos crimes de prevaricação de titular de cargo político e de falsificação de documentos.
Uma vez que os atos constantes da acusação foram praticados no exercício de mandato autárquico, o MP requer, em caso de condenação definitiva, a perda de mandato do vereador João Rodrigues e do deputado municipal José Nascimento, eleitos em 1 de outubro de 2017. Quanto a Júlio Sarmento e João Carvalho, que não exercem qualquer cargo autárquico, devem ficar «sujeitos à eventual declaração de inelegibilidade em atos eleitorais».
Processo terá «muitas novidades», diz Júlio Sarmento
«Neste processo foi deduzida acusação pública contra mim, dois ex- vereadores e um presidente de Junta por queixa do atual executivo e relativo a um conjunto de obras e uma aquisição de terreno que eu não votei, não participei, nem decidi», reage Júlio Sarmento.
Ouvido por O INTERIOR, o ex-autarca disse aceitar a decisão instrutória, mas que a mesma «nada acrescenta», pelo que aguarda o julgamento «de consciência tranquila». «Todavia, será porventura razoável poder admitir deduzir queixa contra todos os vereadores, que esses sim votaram a decisão, por unanimidade, onde se inclui o atual presidente da Câmara», alega Júlio Sarmento, dizendo esperar «muitas novidades» neste processo. De resto, o antigo presidente recorda que «os políticos que exercem, ou já exerceram funções, devem considerar como normal sujeitarem-se ao escrutínio do povo, das oposições ou da tutela do Estado»
«Devemos entender, como normal decorrência do estado de Direito, que as instituições judiciais possam trabalhar com o espírito de independência que a Constituição consagra. Não devemos também esquecer o princípio constitucional da presunção de inocência, sobretudo, num domínio onde parece ser muito apetecível deduzir acusações com base no preconceito, contra os políticos». Entretanto, Júlio Sarmento e a esposa viram o tribunal declarar nula, com a concordância do MP, a acusação de fraude fiscal deduzida contra o casal. Em causa estava a alegada omissão de rendimentos na declaração de IRS de 2011, bem como aos rendimentos de 2010, 2012, 2013, 2014 e 2015, que também foram investigados. A O INTERIOR, o histórico social-democrata afirma que a acusação deduzida, «para além de outras inverdades, teria de ser considerada nula, por intempestiva, dado não estar ainda decidida em sede de Autoridade Tributária. E assim foi considerado pelo juiz com a concordância do MP».
Perante esta decisão, Júlio Sarmento não deixa de lamentar «a leveza com que se deduzem acusações a metro, numa fúria inquisitória que tem evidentes leituras de perseguição pessoal e política».