Sociedade

D. Guiomar Gil de Riba Vizela é a benemérita do “Magusto da Velha”

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Escrito por Efigénia Marques

Conclusão resulta de uma investigação de Daniel Martins que deu origem ao livro “Magusto da Velha – Uma Pitança pelo Bem da Alma”, apresentado no dia 26 em Aldeia Viçosa

D. Guiomar Gil de Riba Vizela. Assim se chama a “velha” que há mais de 300 anos dá um magusto aos habitantes de Aldeia Viçosa, no concelho da Guarda.
O nome foi revelado na passada quinta-feira durante mais uma edição do “Magusto da Velha”, que acontece sempre no dia 26 de dezembro. Este ano, além da oferta de 150 quilos de castanhas, de 50 litros de vinho e de pão torrado molhado em azeite do Vale do Mondego, foi apresentado o livro “Magusto da Velha – Uma Pitança pelo Bem da Alma”, de Daniel Martins, da Associação Hereditas. O autor investigou a origem desta tradição, bem como as origens e identidade da benemérita, que foi monja no Mosteiro de Arouca, ao qual doou as suas propriedades no Vale do Mondego. Há mais de 300 anos que Aldeia Viçosa cumpre a tradição de oferecer castanhas e vinho à população no dia a seguir ao Natal por causa do testamento de uma mulher abastada. Em contrapartida, os habitantes de Aldeia Viçosa têm que celebrar uma missa e rezar um pai-nosso pela alma da velha.
O mistério durou séculos e foi finalmente desvendado com a investigação de Daniel Martins, cujo ponto de partida foi a propriedade da Quinta do Lagar de Azeite, que pertenceu ao Mosteiro de Arouca. «É um fio condutor nos arquivos. Consultamos muitos, tudo o que fosse referente a Santa Maria de Porco, Vila de Porco ou Quinta do Porco, e conseguimos encontrar um documento de 1703 que delimitava muito bem a Quinta do Lagar de Azeite, que, para nossa surpresa, pertencia na altura à igreja paroquial de Santa Maria do Porco, mas em 1510 pertencia ao mosteiro de Arouca», refere o historiador a O INTERIOR. O autor descobriu depois que este mosteiro trocou terrenos e propriedades com a Igreja, sendo que neste caso a quinta foi «escambada» com a paróquia de Porco. «Importava então saber quem era a proprietária porque, pela característica da tradição, só podia ser de alguém privado que pede que, dessa quinta, se retire dinheiro para se pagar uma pitança ao povo para lhe rezarem pelo bem da alma», prossegue Daniel Martins.
A insistência deu resultado: «Em 1286 encontrámos essa tal Guiomar Gil de Riba Vizela, que era a proprietária das quintas do Porco e as entrega ao Mosteiro de Arouca», realça, sublinhando que o testamento define «muito bem» a condição em que entrega tudo: «Que lhe fizessem o bem pela alma – não diz concretamente o quê, se um pai-nosso ou outra reza – e que fosse servida uma pitança pelo Natal, que é o “Magusto da Velha”», conclui o historiador. Na sua opinião, com este testamento, Guiomar Gil, falecida em 1268, quis ficar para a posteridade. «Era condição, principalmente na Idade Média, que quem entrasse para o mosteiro entregasse os seus bens. D. Guiomar tornou-se monja e foi depois abadessa e o curioso é que põe esta condição. Foi inteligente ao pedir que sirvam uma refeição para manter a coisa viva e ainda hoje existe. Foi uma forma de D. Guimar não desaparecer da história, ao contrário do Mosteiro de Arouca, que já não existe», considera.
Daniel Martins acrescenta que a benemérita não era originária desta zona e duvida que tenha conhecido Porco. «Ela pertencia a uma família das mais poderosas no início da nacionalidade portuguesa, os Riba Vizela, que apoiaram o conde D. Henrique e os primeiros reis de Portugal na sua independência. Também estavam bem relacionados em Castela e o pai tanto trabalhou para Sancho II como para Afonso III», revela.
A investigação durou dois anos e o resultado acaba por ser «um livro aberto para novos estudos porque deixo muitas pontas soltas. Estes factos dão-nos a entender esta conclusão, no entanto é uma investigação histórica e poderá ter outras interpretações e levar à descoberta de muito mais histórias sobre Aldeia Viçosa que ficou por contar no livro por falta de espaço», refere o autor. O que Daniel Martins garante é que a fixação de gente neste ponto do Vale do Mondego é mais antiga que a cidade da Guarda. «Este território já era importante, por exemplo, na administração do Bispado de Viseu antes de haver a cidade da Guarda e até é um motivo de conflito com o bispo da Guarda, mas isso é outra história».
Para Luís Prata, presidente da Junta de Aldeia Viçosa, o resultado apresentado no livro “Magusto da Velha – Uma Pitança pelo Bem da Alma”, é «muito importante para este evento porque vem fazer honra e dar valor a quem, em tempos idos, nos deu tanto». O autarca recorda que a tradição é «identitária de Aldeia Viçosa, é só nossa, e da Guarda» e promete agora «honrar a alma da “velha”» com a intenção de criar uma rede intercultural «entre a nossa “velha”, a irmã que está sepultada em Toro (Espanha) e a casa de Arouca, de onde elas vieram. É o desafio para os próximos anos».
Luís Prata também não esquece o trabalho anterior de José Manuel Coutinho e adianta que a Junta está a trabalhar em articulação com o Instituto Português do Património Imaterial para candidatar o “Magusto da Velha” àquele inventário nacional. «Estávamos à espera deste livro para acrescentar ao processo e estamos em crer que muito em breve iremos conseguir essa classificação porque não dúvidas quanto ao interesse e importância deste património imaterial que é da Guarda, de Aldeia Viçosa e cada vez mais de Portugal», sublinha.

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Efigénia Marques

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