Começou como um projeto para ajudar sem-abrigo no Porto. A ideia era oferecer habitação em troca da ocupação de áreas rurais despovoadas, juntando o útil ao agradável. «Sugeri a ideia a uma associação no Porto pensando que tinha descoberto a pólvora, mas rapidamente me foi dito que retirar os sem-abrigo dos meios urbanos onde estão não iria dar bom resultado», recorda Bárbara Moreira, a mentora do projeto. Apesar da nega, a ideia não caiu por terra. A jovem nortenha identificou uma nova necessidade decorrente do aumento do número de refugiados em Portugal e delineou os traços gerais do Projeto LAR.
Esta associação, estabelecida em 2018, está a requalificar quatro casas devolutas na aldeia de Ima, anexa da freguesia de São Pedro do Jarmelo – a 11 quilómetros da Guarda – para acolher gratuitamente famílias «altamente carenciadas», portuguesas ou estrangeiras, em troca de trabalho na agricultura. Prevê-se que uma das casas esteja pronta já no final deste mês.
A localização, conta a portuense, surgiu por acaso. «Um amigo falou-me da aldeia e vi que reunia todas as condições para acomodar o projeto, estando próxima da cidade da Guarda», refere, explicando que não tem qualquer raiz familiar na aldeia.
O projeto-piloto em curso envolve a requalificação de casas degradadas com recurso a donativos, sem qualquer custo para os proprietários. Estes, conforme ficou definido em contrato, cedem os imóveis voluntariamente durante dez anos, período em que quatro famílias podem usufruir das habitações gratuitamente, tendo como contrapartida o trabalho no campo por pelo menos um elemento do agregado. No final desses dez anos os proprietários decidem se querem ou não renovar com os inquilinos.
Hortênsia Pereira, de 73 anos, é uma das moradoras que disponibilizou a casa que herdou dos pais para o Projeto LAR. «Nunca tinha pensado em arranjar aquela casa, mas quando apareceu o projeto aproveitei», justifica. Não sabe ainda qual a decisão que tomará quando findar o contrato, mas mostra-se recetiva à ocupação da aldeia por estrangeiros. «Precisamos é que sejam pessoas de confiança. Se houver respeito não há problema nenhum», garante a reformada, uma dos cerca de 25 moradores da aldeia.
Nos campos agrícolas será cultivado açafrão, goji e groselhas. Estes dois últimos produtos já têm escoamento garantido pela empresa Jerónimo Martins – dona dos hipermercados Pingo Doce – que se associou ao projeto. Desta forma, ficou «assegurada a viabilidade da ideia», explica Bárbara Moreira.
Financiamento e captação de famílias entre os maiores desafios
O grande foco atual da associação é ajudar famílias que já estejam a viver em Portugal há pelo menos 18 meses, mas ainda não tenham condições de estabilidade. «Somos atualmente um projeto de acolhimento de segunda linha», refere Vanessa Rei, técnica social do projeto e um dos dois elementos que trabalham diariamente na Ima.
«Em conjunto com a PAR [Plataforma de Apoio aos Refugiados] percebemos que a maioria das pessoas a precisar de acolhimento tinha um perfil altamente citadino», o que se revelou um problema para captar famílias para a pequena aldeia do Jarmelo. Por esta razão a associação pondera vir a tornar-se também um apoio de «primeira linha», que sirva em parte para acolher temporariamente quem chega ao país sem nada. «Estamos a avaliar isso neste momento», acrescenta Bárbara Moreira.
Raquel Curto, a gestora de projeto, aponta também como dificuldade a «falta de financiamento». A grande fonte de recursos monetários são donativos e prémios institucionais que, embora importantes, não são suficientes. «A reconstrução das casas é muito cara e depois falta a parte da agricultura, que exige preparação dos terrenos», explica a jovem covilhanense.
Habitantes e voluntários apoiam a causa
Sendo as únicas trabalhadoras no terreno do Projeto LAR, Vanessa Rei e Raquel Curto contam com o apoio de voluntários, que ajudam regularmente. Pelas ruas da aldeia é visível o empenho de todos os que aqui têm raízes e que trabalham para fazer do Projeto LAR uma realidade.
Isidro Almeida, arquiteto da Câmara da Guarda, é um dos que apoia a iniciativa desde a sua génese, contribuindo com o seu conhecimento técnico “pro bono”. «O mais difícil tem sido conciliar a falta de verbas para materiais que normalmente se compram e o trabalho com donativos», explica o arquiteto natural de Ima, referindo-se às ofertas de materiais de construção e de móveis que muitas vezes obrigam a uma maior criatividade.
«Quando os azulejos não chegam para uma divisão temos de conjugar tamanhos, brilhos e todo o tipo de elementos para tentar aproveitar tudo», exemplifica. A experimentação é precisamente o mote de toda esta ação solidária, pois, sendo um projeto-piloto, serve de teste para verificar a eficácia da ideia. «O objetivo primordial é a integração eficaz das pessoas. Se isso for comprovado iremos replicar noutras aldeias», revela Bárbara Moreira, segundo a qual o foco serão sempre as regiões do interior.
Sofia Craveiro