A notícia da disputa da herança de Carmen Augusta Rios Domingues tem alimentado as mais diversas conversas por toda a região. Em especial depois da divulgação por O INTERIOR na sua última edição (em papel). Filha do comerciante galego Germano Vicente Domingues e de Delmina Rios Domingues, que fizeram uma fortuna no comércio de tecidos em Vila Franca das Naves, onde se instalaram nos anos trinta do século passado foragidos da Galiza natal e da Guerra Civil espanhola.
Carmen Rios Domingues faleceu a 17 de maio de 2016, sem descendentes, e deixando em testamento um legado considerado extraordinário, em «bens, direitos e ações. A herança da filha destes comerciantes de Vila Franca das Naves está divida entre o legado a «afilhados de baptismo» e pessoas amigas devidamente identificadas pela testadora e uma outra parte, o mais relevante da herança, legada à população através de uma comissão assistencial extinta em 1971 ou «na sua falta, à entidade congénere existente naquele concelho e que tenha a seu cargo a organização de assistência, com a obrigação de destinar toda a sua herança a uma instituição de assistência particular, com sede em Vila Franca das Naves, do mesmo concelho, que terá a denominação de “Instituição de Assistência Rios Domingues”», lê-se no testamento lavrado em Coimbra, a 16 de abri de 1965, e entretanto divulgado em sessão pública promovida naquela vila.
A discussão é pública e a população considera inaceitável que a Santa Casa da Misericórdia de Trancoso se tenha outorgado como a legítima herdeira (na sequência da extinção em 1971 da Comissão Municipal de Assistência de Trancoso). E fez os registos dos bens legados em testamento. Mais de dois anos depois, a população considera que a herança não está a ser executada de acordo com a vontade da testamentária e, assim, o Centro Social de Vila Franca das Naves terá já intentado uma ação judicial que pretende impedir a venda de bens da herança de Carmen Rios Domingues e, posteriormente, exigir a sua execução de acordo com o que está lavrado no testamento, nomeadamente na parte que refere que terá de considerar «obrigatoriamente a sua ação às povoações de Vila Franca das Naves, Cerejo, Moimentinha, Póvoa do Concelho e Vilares» (as localidades de onde eram originárias as pessoas que trabalharam para os pais da benemérita) e, acrescenta, «interessar-se, sobretudo, pela assistência à velhice e a infância».
Misericórdia vai cumprir «escrupulosamente» testamento
Mas se a população tem mostrado desconfiança em relação à execução da vontade da testadora, já o Provedor da Misericórdia de Trancoso considera não haver razões para isso, pois o testamento chegou à «SCMT através de pessoas muito próximas da testadora e que bem conheciam a sua vontade». Numa declaração escrita a O INTERIOR, o padre Joaquim Duarte assevera que «a Santa Casa aceitou a herança para cumprir escrupulosamente as vontades da testadora, pelo que, destinando ela o remanescente dos seus bens, após cumprimento dos diversos legados, à constituição de uma instituição de assistência, essa vontade será respeitada». O valor estimado da herança continua a ser uma incógnita e apesar de em Vila Franca das Naves se falar em milhões de euros, o Provedor refere que, «ao que se sabe». a herança é fundamentalmente «constituída por bens imóveis que ainda não estão avaliados».
Mas, independentemente do valor final da herança, o padre Joaquim Duarte esclarece que «o testamento refere textualmente que “a referida instituição estenderá obrigatoriamente a sua ação às povoações de Vila Franca das Naves, Cerejo, Moimentinha, Póvoa do Concelho e Vilares, e facultativamente a todas as povoações dos arredores, conforme as suas possibilidades financeiras, e interessar-se-á, sobretudo, pela assistência à velhice e infância”» e que, «obviamente» essas vontades «serão respeitadas». Sobre o facto de até agora ainda não ter sido executada a vontade de Carmen Rios Domingues, o responsável explica que «a testadora instituiu diversos legados a várias pessoas que a SCMT está a procurar identificar de modo a poder cumprir esses legados» e que «essas pessoas serão beneficiárias», tendo acrescentado que «haverá que atualizar, ver as possibilidades financeiras e dialogar com os serviços da Segurança Social para encontrar a melhor maneira de cumprir, na atualidade», as vontades da benemérita. «A Misericórdia de Trancoso não retirará qualquer benefício do cumprimento das vontades de benemérita, e da criação de uma instituição de assistência», de acordo com a vontade da testadora. Sobre a ação intentada pelo Centro Social de Vila Franca das Naves, o Provedor da Misericórdia responde que «a SCMT acredita na justiça e aguardará serenamente que ela se pronuncie», esclarecendo que «os bens herdados não serão alienados se tal não se mostrar necessário para o cumprimento do testamento».