Já dei tantas vezes por mim à procura de tradutor. Não sei que diga de um condutor que se cola ao rabo do meu. Ao condutor que me atira luzes por trás. Ao estúpido que converte uma dificuldade de um idoso num chorrilho de insultos. Não sei que diga ou descreva de um anormal que me atira o carro ou trava de frente de mim. Não sei que palavras se dão ao que chega com pedras na mão. Não sei o nome do que entra sem saudação. A menina bonita que bufa de impaciência. O menino que atira a bola para a minha comida, o que me pisa a toalha e me enche de areia. Precisava de tradutor para ser civilizado, precisava de ter nascido enorme para corrigir o mundo à chapada. Mas o destino fez-me minúsculo, careca, com dificuldades prostáticas, com necessidade de educar o nascimento dos dentes, controlar a força das palavras, barrigudo. Não meto medo nenhum e se calha isso até me protege. Os tipos que quero insultar ou redefinir a estalos e bengaladas são normalmente muito maiores que eu. Não me contenho e lá vai a tonitruante cacetada linguística de que sou capaz. Olham-me estupefactos. Devem medir o desastre que seria se fossem como eu. Às vezes sabem que tenho razão, mas muitas outras estamos no domínio do narciso, no campo do dono da verdade. Como o pastor alemão observa o atrevido pincher, vão-se embora. Ser minúsculo protege-me? Faltam-me as palavras e os insultos para tanta desta gente que perdeu o respeito, perdeu a postura, desencontrou-se da educação e da lisura e perco eu a razão, porque me indigno. Falta-me vocabulário assertivo e humor certeiro para conduzir a informação. No fundo, tudo isto é falta de formadores adequados e paizinhos ajuizados.