Um teto para todos

“Claro que haverá outros envelopes financeiros a aproveitar, mas, entretanto, perdeu-se tempo e a oportunidade”

O problema da habitação em Portugal não é propriamente um problema novo, mas a escalada da inflação veio pôr a nu as dificuldades dos portugueses no acesso a uma casa, em especial dos que têm menores rendimentos.
É um dado adquirido que Portugal tem hoje mais casas do que famílias. De acordo com o último censo há 5,9 milhões de fogos para 4,1 agregados familiares. Do milhão e oitocentos mil fogos a mais, um milhão e cem mil são residências secundárias e cerca de 700 mil estão devolutas, porém, milhares de famílias não conseguem ter acesso a uma habitação condigna.
A habitação é um direito constitucional e todos têm direito a ter um teto. Perante a crise da habitação o Estado tem de procurar soluções e dar resposta às necessidades. Pelo meio não podemos esquecer que parte do parque habitacional devoluto não tem condições ou dignidade. E outra parte são casas abandonadas em aldeias vítimas do despovoamento, nomeadamente no interior do país.
O governo promoveu então um programa de intervenção, sobre o qual já ouvimos de tudo… mas, como muito bem salientou Helena Roseta, «só por preconceito ou desconhecimento se pode acusar o pacote de não se dirigir à oferta. E só por radicalismo ideológico se pode colocar o direito à propriedade privada acima de todos os outros ignorando os deveres constitucionais do Estado, entre os quais o de assegurar o funcionamento dos mercados». As 17 medidas apresentadas são naturalmente de desigual importância e muitas delas dificilmente exequíveis, mas algumas são razoáveis e necessárias para mudar o atual paradigma da habitação em Portugal – um país com muitas casas de má qualidade, frias, sem isolamento térmico, a necessitarem de obras urgentes. Obviamente que o Estado deve começar por requalificar e colocar no mercado de arrendamento a custos controlados casas que são da sua propriedade, mas tem de ter mais ambição e intervir positivamente no parque habitacional, construindo e disponibilizando mais habitação a quem a precisa. Por isso, são bem-vindas algumas das medidas anunciadas, como o fim dos “vistos gold”, uma distorção do mercado, ou a regulação do alojamento local (AL) que retirou do mercado habitacional muitas casas que passaram a ter arrendamento turístico. A mudança de uso de casas, nomeadamente ruas inteiras que têm lojas que hoje não são necessárias e que têm de ser transformadas em habitação – a reconversão de imóveis e terrenos destinados a comércio e serviços para habitação, como propõe o governo é uma boa notícia (que irá esbarrar nos impedimentos preferidos pela morosidade autárquica, a dos PDM).
O pacote definido pelo governo não é consensual e tem seguramente medidas pouco relevantes ou assertivas, mas é uma reforma urgente, que há muito deveria estar definida. Faremos muito mais pelo país e pelo direito à habitação se contribuirmos para a sua melhoria do que se ficarmos a chamar de “estatizante”, a um plano que chega tarde, mas tem muito para mudar o estado lamentável em que a habitação se encontra em Portugal.
Pese embora não haja relação direta com o que atrás se diz, a polémica na Guarda sobre a incapacidade da Câmara candidatar ao programa de apoio a projetos de habitação a custos acessíveis – cujo protocolo foi assinado no final de janeiro entre a CIMBSE e o IRHU – é incompreensível. E o concelho perde uma oportunidade em termos de requalificação do centro histórico (São Vicente) e de construção de habitação a custos controlados com o financiamento do PRR. Depois da oportunidade perdida pelo IPG no plano de construção de residências académicas, em que a Guarda acabou por ser quase a única cidade portuguesa com ensino superior a não ter projeto aprovado para construção de habitação para estudantes, agora é o concelho que só conseguiu identificar 11 imóveis para requalificar, enquanto o Fundão candidatou 269 imóveis e a Covilhã 40. Claro que haverá outros envelopes financeiros para aproveitar, mas, entretanto, perdeu-se tempo e a oportunidade – chegar tarde pode não ser uma tragédia, mas dificilmente os últimos alguma vez estarão entre os primeiros…

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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