Trufas e trafulhas

Escrito por Efigénia Marques

Depois de algumas semanas cheias de acontecimentos sumarentos, é muito difícil a um cronista escolher entre malas roubadas em aeroportos por um deputado do partido que mais vocifera contra o crime, funcionários a recibo verde no partido que quer ilegalizar os recibos verdes, um secretário de Estado que cria empresas que podem beneficiar de uma lei em que ele próprio participa e mais uns segredos de Estado encontrados numa simples “pen drive” que estava no gabinete do ex-assessor do ex-primeiro ministro que agora é presidente de um Conselho na Europa – o ex-primeiro-ministro, não o ex-assessor. É Portugal no seu esplendor. Como diria um qualquer poeta, «é nosso este país/ porque ninguém mais o quis».

O actual primeiro-ministro elogiou o secretário de Estado que criou empresas de que pode beneficiar por uma lei em que ele mesmo participou pelo «desprendimento». Não, senhor primeiro-ministro, o que mostraria desprendimento era não ter criado as empresas, ou vá lá, depois de descoberta a escandaleira, ter dissolvido as empresas e ser apenas secretário de Estado. Isso é que seria desprendimento. E castigo, ficar dedicado cem por cento à governação. Assim, livra-se das chatices e vai tranquilamente gozar dos rendimentos das empresas que criou e que podem beneficiar da lei que ele próprio ajudou a escrever.

Mariana Mortágua, a líder dos trotskistas lusitanos, continua a vociferar contra as notícias dos despedimentos no Bloco de Esquerda, dizendo que os funcionários não foram despedidos. Mortágua tem razão. Se as pessoas estavam a recibos verdes e em comissões de serviço, se não tinham vínculo contratual com o partido, não foram despedidos. Foram dispensados de funções. Que é aquilo que o Bloco de Esquerda jura acreditar que as empresas não podem fazer. A chamada “uberização” da economia não é aceitável para a Uber, mas é inevitável para o BE – e, se o leitor vir com atenção, BE é exactamente o que está no meio da Uber.

Termino a crónica da semana com uma notícia do progresso que a humanidade vai atingindo. Em França, uma pessoa trans, que se assume como mulher, mas tem os órgãos do aparelho reprodutor masculino, decidiu ir a um ginecologista. O médico, sentindo-se incompetente para observar pirilaus e tintins – a especialidade dele são úteros e pipis, que essa pessoa objectivamente não tem – disse que não a podia atender. A pessoa queixou-se e o médico foi punido pela Ordem dos Médicos franceses com suspensão temporária da sua actividade. A piada faz-se por si mesma, com uma boa ajuda das palavras pirilau e pipi. O progresso é isto – médicos que ficam sem poder exercer a sua profissão por saberem muito de anatomia. Longe vai o tempo em que Vasquinho, no filme “A Canção de Lisboa”, aprova com 20 valores a Medicina por «até saber o que é o mastoideu».

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Efigénia Marques

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