É sabido que o “Big Brother” é um programa de televisão visto apenas por familiares de concorrentes, por pessoas com poucos interesses culturais e por gente que mente sobre os programas de televisão que vê mas não diz. Não tendo nenhum primo na casa, e assumindo publicamente que as quezílias e os clichés entre os concorrentes me animam os serões em que não há jogos com bola, fico na dúvida se deveria devolver o romance de Saltykov-Schedrin que adquiri na semana passada e trocá-lo por assinaturas anuais da “TV Guia” e da “TV 7 Dias”.
Não se pense que desprezo o jornalismo destas revistas. Tivessem os jornalistas do “Público” e do “Expresso” a mesma vontade de investigar (às vezes já me contentava que questionassem) as manigâncias dos governantes como têm os das revistas cor-de-rosa de conhecer o passado dos concorrentes dos “reality shows”, e teríamos uma classe política bem mais escrutinada.
Na edição deste Outono/Inverno há um concorrente, pelos padrões clássicos de julgamento, insuportavelmente rufia, que ameaça e se incompatibiliza a toda hora com toda a gente, que se vitimiza até com o contrário do que é dito pelos outros, que arranjou uma clique leal que, ao defendê-lo, acabou toda posta na rua, mas tornando a situação perfeita para a versão contemporânea do carácter autêntico, de quem diz o que pensa. Onde vão os tempos em que as pessoas apreciavam políticos e concorrentes que promoviam consensos. Francisco Monteiro é a versão de um populista para concurso de televisão. Se não fosse um concorrente do “Big Brother”, até suspeitaria que aprendeu a estratégia em algum daqueles livros sobre populismos antes de entrar para a casa. Mas como ler livros é uma das características impeditivas de participar nestes programas, deve ser apenas esta nova forma de “ser nós próprios” – a grande praga da contemporaneidade, hoje com imensa popularidade.
O que acontece é que o favorito a vencer a votação, junto de sondagens e comentadores, é um tipo que mente descaradamente sobre as intenções declaradas dos adversários, vitimizando-se constantemente, que arranja intrigas e conflitos intermináveis, que não teve pejo em queimar os aliados que o defendiam. E, talvez não por acaso, o favorito a ganhar o “Big Brother” é exactamente igual.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia