Raças e traças

“Se a invisibilidade é uma forma de racismo, não referir os únicos deputados negros no parlamento nacional num texto sobre a escassez de deputados negros no parlamento europeu é cegueira ideológica ou racial. Facciosismo ou racismo.”

Há muitos anos, ainda o CDS era o partido a que a extrema-esquerda chamava fascista, um comediante fazia esta piada: “Estou preocupado com o racismo. Acho que há pouco”.
Hoje, esta piada não se faria sem um coro de protestos no antigamente chamado “twitter”. Porque não só é crença comum que há muito racismo, como até que há muitos racismos. Há, portanto, bastante racismo em quantidade e em qualidade.
Preocupada com o racismo nas instituições parlamentares, uma jornalista de um diário muito lido nas instituições parlamentares escreveu um texto de não-ficção criativa sobre a futura inexistência de eurodeputados portugueses pertencentes a minorias étnicas. Chamo-lhe texto criativo e não notícia porque o artigo versa sobre uns factos que ainda não aconteceram e sobre outros que já aconteceram há bastante tempo.
O racismo no Parlamento Europeu é evidenciado por três indicadores: nenhum partido português tem candidatos racializados – esta é a palavra que se deve usar agora, até alguém sentir que é ofensiva, e escolher-se outra – em lugares elegíveis; a percentagem de eurodeputados de minorias étnicas é inferior à percentagem das minorias na população europeia (a jornalista não refere, mas suponho que as minorias linguísticas, como os suecos da Finlândia ou os húngaros da Roménia ou os catalães de Espanha não sejam considerados minorias étnicas); um eurodeputado britânico racializado sentiu muitas vezes o racismo por ser ignorado pelos serviçais do parlamento. Disse ele, «sou eurodeputado, não sou branco, habituem-se». Numa demonstração de puro racismo, os britânicos votaram pela saída da União Europeia e acabou por ser o senhor que se desabituou de ir a Estrasburgo.
Como o texto acaba com referências a actos de racismo e machismo (que, como toda a gente sabe lá nas redacções do jornalismo de causas, andam sempre de mão dada) na Assembleia da República, é no mínimo curioso e no máximo racista que não haja uma única referência aos deputados racializados na Assembleia da República, que, por coincidência, foram eleitos pelo Chega.
Se a invisibilidade é uma forma de racismo, não referir os únicos deputados negros no parlamento nacional num texto sobre a escassez de deputados negros no parlamento europeu é cegueira ideológica ou racial. Facciosismo ou racismo.
Como não posso acreditar que jornalistas sejam facciosos ou o “Público” seja racista, vejo uma outra hipótese: uma pessoa deixa de ser racializada quando adere ao Chega. Negros e homossexuais só são validados como membros de minorias étnicas e sexuais quando pertencem a partidos de esquerda. Um dos deputados do Chega é negro e brasileiro. Se fosse do Bloco, era um hino à diversidade. Sendo de direita, é um pino à adversidade.
Estou preocupado com o racismo. Não acho que seja pouco, mas acho que está louco.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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