A Escola está, como sempre esteve, ao serviço dos regimes e modelos sociais e a sua principal função foi sempre a de uniformizar a funcionalidade de cada aluno segundo as necessidades dessa sociedade. Se é preciso que todos saibam ler e escrever para ser produtivos, ensina a ler e a escrever. Se a produtividade requer mais competências linguísticas, ou matemáticas, os currículos acompanham esses requisitos. Quando os alunos, por alguma razão, não conseguem acompanhar esses currículos é que a porca torce o rabo.
A maioria dos professores foi formada há 30 anos e, há 30 anos, ninguém falava de inclusão. Com alguma tolerância, falava-se numa integraçãozita, e pronto. No tempo do esplendor do conceito de felicidade assente no consumismo, “Estuda para ganhares muito, comprares muitas coisas e seres feliz”, ao professor exigia-se sobretudo que formasse indivíduos produtivos. Porque quem não fosse produtivo (“funcional”), não conseguiria ser grande consumidor e, muito menos, feliz. Ora a infelicidade, no mundo dos auto-retratos (parece que há muitos infelizes) continua a só ser compatível com o mercado dos ansiolíticos. O que, neste mar de cifrões, em que quem menos consumir menos instrumentos para influenciar o meio tem, até nem será consumismo desdenhável. Fosse outro o estado, que não o da alma, que a coisa não seria assim tão fácil.
Por exemplo, para que é que alguém se vai dar ao trabalho de construir uma rampa de acesso se só um dos seus clientes é que tem problemas de mobilidade? O que vale é que os deficientes motores e sensoriais, ao contrário dos mentais, sempre vão tendo do seu lado vendedores de tecnologias de apoio. Ao fim e ao cabo, obrigar a construir uma rampa também é uma maneira de consumir. Consome-se betão e ferro e planos arquitectónicos. No plano dos negócios, da aparência e do sucesso ter dentes tortos, miopia ou surdez, também não é nada de grave. Desde que se consumam uns quantos óculos, uns aparelhos auditivos e dentários a coisa lá vai andando e vira moda.
Agora, o que é do piorio é ser-se deficiente mental. É que, nesta fobia de padronizar práticas e hábitos de consumo, como se não bastasse ser-se sempre considerado um estorvo muito improdutivo, ainda se é considerado um consumidor desprezível. Continuando evidente a tendência de o querer remeter para os fundos da casa de onde, nem à força de leis (cuja operacionalização nas escolas é, essencialmente, imputada aos professores formados para ensinar numa lógica de sucesso pré estabelecido) se quer deixar sair.
Quando os senhores das leis têm bons intuitos, nem costumam fazer más leis e, na minha opinião, até costumam ser boas. Enfermam é deste velho costume de não preverem, como as aplicações informáticas, que podem não funcionar em todas as máquinas.
Daí que, diga a Lei o que disser, seja minha convicção que a escola inclusiva vai demorar tanto tempo a chegar como o sucesso ser sinónimo de felicidade a desaparecer. Bem, os coxos, cegos e surdos, enquanto potenciais perdulários, até vão tendo algumas hipóteses de inclusão. Os coxos da cabeça a continuarem assim, uns pobretanas sem futuro, é que nem por isso.