Os pilares não sociais

Escrito por Jorge Noutel

«Uma ausência algo parecida como faltar o organista num qualquer baile da paróquia. Podem deitar os foguetes que quiserem e apanhar as canas que a festa estava estragada com a ausência da senhora Merkel»

Terminou mais uma cimeira, a Cimeira Europeia do Porto. Os líderes europeus reuniram-se, com pompa e circunstância, no pavilhão com marca de uma cerveja e de uma atleta, não se sabendo bem se a ordem dos oragos é ou não arbitrária. Pouco importa para o caso!
A cimeira tinha como objetivo, pelo menos foi assim que foi anunciada, a proclamação de um acordo social. Um «acordo interinstitucional tripartido» entre a Comissão Europeia e os representantes da European Trade Union Confederation e da Business Europe. Em causa, nesta cimeira, estava o apoio político dos líderes dos 27 Estados-membros da União Europeia ao plano de ação apresentado em março, pela Comissão Europeia, que implementava a
estratégia ao Pilar Social Europeu: duas dezenas de diretrizes, adotadas em Gotemburgo, na Suécia, em 2017. Ou seja, após mais de 4 (quatro) anos após a definição da dita estratégia, os líderes europeus iriam, ou não, dar o seu aval à mesma. Lembrar que no referido documento de março, a Comissão traduziu esse pilar em três objetivos concretos: garantir que, até 2030, pelo menos 78%
da população europeia está empregada; ter 60% dos adultos europeus a participar em ações de formação todos os anos; e tirar 15 milhões de europeus do risco de pobreza.
Propostas ambiciosas e uma espécie de cenoura para enganar cidadãos. Se as propostas são apenas e tão só propagandas falaciosas que dizer do facto do tal triunvirato ter excluído logo à partida o único órgão democraticamente eleito e representativo dos cidadãos europeus – o Parlamento Europeu. Nada de espantar face ao egocentrismo que domina o pensamento dos tecnocratas da Comissão Europeia. Mas se não bastassem estas críticas outras houve bem mordazes e assertivas sobre os gastos esbanjadores para a realização da presidência portuguesa. Mas disso já demos conta noutra crónica.
Esta cimeira ficou desde logo marcada, pela ausência dos chefes do governo da Alemanha, Países Baixos e Malta. O maior incómodo, para os organizadores, foi a ausência da chanceler Angela Merkel. Uma ausência algo parecida como faltar o organista num qualquer baile da paróquia. Podem deitar os foguetes que quiserem e apanhar as canas que a festa estava estragada com a ausência da senhora Merkel. Bem que tentaram esconder o incómodo, mas não conseguiram. A ausência de Merkel é a prova provada que o que se pretendia com a cimeira era encher chouriços para cidadão europeu ver. Lembrar que Merkel já tinha estado ausente em 2017, em Gotemburgo,
quando o Pilar Social foi adotado. Na altura, a ausência foi notada — e interpretada como um sinal de que a líder do país mais rico e poderoso da União Europeia não via a política social como uma prioridade. Lembrar que os 20 princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais dizem-se constituir
um quadro de orientação para a construção de uma Europa social forte, justa, inclusiva e plena de oportunidades. Que vão desde a igualdade de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho, passando pelas condições de trabalho e proteção e inclusão sociais.
Associado a cada tema existem um conjunto de objetivos comportamentais que determinariam a sua consecução. Afirmamos convictamente que tudo não passa de propaganda. Propaganda nada barata aos contribuintes. Mas
importa dizer que todos os objetivos apontados no dito “pilar” são da inteira responsabilidade das políticas governamentais de cada país. Falar-se em objetivos que pertencem à esfera governamental de cada Estado é no mínimo uma desconsideração à inteligência de quem paga as gravatas.
Ainda antes da cimeira do “café”, no Porto, já 11 países membros, Áustria, Bulgária, Dinamarca, Estónia, Finlândia, Irlanda, Letónia, Lituânia, Malta, Holanda e Suécia tinham emitido uma declaração conjunta alertando Lisboa – e Bruxelas – para respeitarem a autoridade nacional sobre a formulação de políticas em áreas como trabalho e emprego, pensões, educação e creches.
Percebido? É que a manifesta incapacidade e o desleixo da Comissão para administrar a estratégia da vacina contra o coronavírus na União Europeia através de acordos de compra antecipada foram determinantes para não se aumentarem os poderes dos órgãos de cúpula da União Europeia.
Sobre vacinas importa referir que o presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, ainda antes da realização da Cimeira do Porto já estava a passar uma rasteira à União Europeia ao defender a liberalização das patentes das vacinas. A cúpula europeia tremeu e ficou-se por um lacónico e tímido não à liberalização. O futuro dirá o que Biden quis com a ameaça velada da liberalização das patentes. Já sobre o reatar das relações com o ditador Modi todos percebemos a importância que é para a economia europeia estar de bem com a Índia. Uma potência mundial que alcança os maiores valores de exportações baseados na exploração desumana de mão-de-obra escrava, sem direitos e onde as maiores companhias se localizam, Google, Amazon e outras, sendo o país que produz maior quantidade de vacinas, mas também que detém o record de maior número de infetados e mortes com Covid. Num país onde sobreviver é um drama. Diz tudo do interesse de uma União Europeia
em colaborar com tal regime. Dizer-se que a Índia é uma democracia é violentar os Direitos Humanos. Haja respeito por todos quantos sofrem, e são milhões com um regime déspota. Se há vida para além do défice então a economia não justifica tudo, muito menos os objetivos para atingir fins tristes.
Como resultado da festa dizer que só faltou o “porreiro pá” já que para servir o
café o empregado voltou, só mudou de nome. Num país atolado num pântano de corrupções, hipocrisias, desprezo pelos Direitos Humanos, com as instituições a venderem-se, o chefe faz, alegremente, o seu caminho para lugares cimeiros no “El Dorado” de Bruxelas. Triste país. Um fugiu do pântano, outro da tanga e este do beco mal-afamado.

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Jorge Noutel

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