Ao dar pela voz que o chamava, Eduardo pousou o livro e espreitou pela janela, mas não viu ninguém. Ao apertar os olhos viu partituras a pintalgar os montes no fumo das chaminés. Era impossível que a voz viesse dali. Voltou ao livro. Contudo, perdera o fio à meada. Nunca fora de se distrair assim. Sobressaltou-se. Sentia-se sozinho. A mulher partira para o México na semana anterior e, apesar de lhe ter deixado a cadela Rufina e a criada Miquelina, uma vivia pendente das sestas e a outra das refeições, do brilho do soalho e da roupa. Nenhuma se interessava particularmente pela sua pessoa. Já antes experimentara a solidão, mas era apenas literária, sem poetas nem críticos a ampará-lo. Uma solidão diferente desta. Determinado a não pensar muito nisso, desceu ao pátio onde a cadela, confiada de que era para a levar a passear, veio ter com ele aos saltinhos. Eduardo não teve como fugir daquele pedido e, com a cadela sempre à sua frente, percorreu sem pressa a rua que levava à capela.
Na pequena teia formada pelas casas do lugar, dependendo do sentido em que se caminhasse, todos os caminhos começavam e acabavam ali. O que implicava que quem andasse, subisse ou descesse, pela aldeia, inevitavelmente se encontraria com alguém junto à pequena capela, como acabou por acontecer. Não conhecia o homem que lhe deu as boas tardes. Nas aldeias as boas tardes são de todos e não apenas dos que se conhecem. Por isso, retribuiu. Porém, o caminhar veloz do outro, fê-lo acreditar que já o não ouvira. Só que não se importou com isso. Ambos sabiam que as pequenas coisas são suficientemente fiáveis para ninguém desconfiar delas. Não ocorreria a ninguém que ele fosse incapaz de retribuir as boas tardes. Depois do sobressalto de há pouco, pensar nisto acalmou Eduardo.
Chamou a cadela e, na esperança de encontrar mais alguém, vagueou, repetidamente, pelas ruelas da aldeia com ela. Percorreu-as desde a capela até ao limite das casas e, de novo, desde o limite das casas até à capela onde acabou por se deter a pensar nas vidas de quem ousou construir casas ali, naquele lugar. Todas permaneciam tal e qual como as lembrava sempre que delas se afastava: fortes, feias e frias como o granito que as erigia. Na sua opinião, três boas razões para a maioria estar agora vazia e o resto acabar por se esvaziar também. Ninguém gosta de ser tataranhado pelas fronteiras pardacentas da paisagem. Mais lhes valia partir. Pelo menos, ao partir, as saudades ainda haviam de amaciar aquele lugar. Fazê-lo mais bonito do que na realidade era e, os que antes da partida nunca repararam neles, haviam de finalmente sentir-lhes a falta.
Ouviu de novo a voz que o chamava. Desta vez, entrecortada por um ranger de ferro. Depois de tanta trabalheira, a possibilidade de Eduardo deixar o jantar à espera, exasperara a criada Miquelina que, desde o portão do quintal, chamava por ele e pela cadela a plenos pulmões.