Disse um dia Winston Churchill que “a democracia é o pior dos regimes, à excepção de todos os outros”. A frase já foi tantas vezes citada que perdeu a originalidade, mas, ainda assim, continua a ser das melhores para usar na hora de defender as virtudes, ainda que reflectindo sobre a falta delas, dos sistemas políticos ocidentais. Para os que, como eu, defendem uma democracia realmente participativa e cada vez menos representativa, os casos que vão fazendo as parangonas de todos os noticiários e infernizando a vida dos cidadãos trazem à evidência o quanto temos de caminhar para atingir a verdadeira democracia. Mas, tudo, mas mesmo tudo pertence ao domínio do Humano, da formação dos cidadãos, do seu sentido de responsabilidade face à coisa pública e do saber ser, estar e fazer política e principalmente de possibilitar que um qualquer cidadão tenha acesso a tudo o que diga respeito, sem excepções, à vida pública. Ou seja, a política entendida como a capacidade do ser humano criar diretrizes visando organizar o seu modo de vida, vinculando o Estado, o governo e a administração pública com o objetivo final de administrar o património público e promover o bem público, isto é, o bem de todos. Mas deixemos a utopia! Vamos ao que a realidade nos apresenta e que infelizmente traduz, a falta de transparência, ou melhor, a falta dela nas relações dos poderes com os cidadãos. Não vos vou falar dos abjectos crimes que pertencem ao foro judicial, mas que em muita medida estão todos bem relacionados e com um denominador comum: a arte de bem se servir e ser servido da coisa pública. Falemos do caso designado por Tutti-Frutti. E calem-se os bajuladores que na primeira oportunidade trazem à liça o que chamam reduzido pecúlio que são presenteados os que fazem da vida política modo de vida. Como se o curriculum não ficasse desde logo “enriquecido” pelos serviços prestados, as influências e amizades criadas, as portas giratórias, benefícios mais que muitos aos amigalhaços e tantas outras benesses escondidas e sempre úteis aos próprios e à família, de sangue ou partidária. Sem esquecer os empregos criados pelos sempre úteis ajustes directos, sem concurso ou por farsantes provas onde sem sequer se saber ler ou escrever e muito menos indo além das elementares operações aritméticas se atingem classificações máximas. Sempre, mas sempre, coadjuvadas pelas celebérrimas entrevistas onde tudo é decidido. O processo Tutti Frutti, para além das acusações de crimes variados, mercadejar, peculato, falsificação de documentos, crimes económicos, que o Ministério Público terá que provar em tribunal, revela um modo de funcionamento dos partidos em que o poder é traficado em troca de mais poder. Em 2015, há quase 10 anos, era dado a conhecer, mediante uma denúncia anónima, o tráfico de influências entre membros e executivos do PS e do PSD na preparação das listas para eleições autárquicas de 2017, “financiamento partidário, esquemas com quotas de militantes, assessorias sem trabalho pagas com dinheiros públicos e outros negócios suspeitos de ex ou futuros deputados, presidentes de junta e a restante classe política”. Os caciques e os seus galopins no covil combinavam a estratégia para se servirem e servirem os “seus”. O que só reforça a ideia, mais que presunção, de que 45 por cento da corrupção que vai a existir em Portugal tem a sua origem e desenvolvimento nas autarquias. No caso Tutti-Frutti, há 60 arguidos que vão ser julgados. Mas até lá as vicissitudes continuam. Serão os caciques e os galopins de hoje que vão escolher os futuros decisores políticos a concorrerem nas próximas eleições autárquicas, juntas de freguesia, câmaras e assembleias municipais. Pode a raposa não estar no galinheiro, mas que o guarda disso não se duvida. Para além do tráfico de influências na escolha dos decisores políticos, há que contar com o alçapão que existe na lei que permite que muitos dos que atingiram o limite de mandatos se possam mudar de armas e bagagens para a freguesia ao lado. A rebaldaria completa. Um sistema criado e oleado para perpetuar o assalto ao pote. Quem se pode admirar da ascensão de partidos da extrema-direita anti-imigração, racistas, xenófobos? A cada dia sente-se a perda da liberdade, toda ela. “Hoje somos, na verdade, caricaturas bastante tristes de modos de vida que nos impõem de fora. Estamos governados por sistemas de poder que cada dia nos convencem de que não há virtude maior do que a virtude do papagaio. Que não há habilidade comparável à do macaco. O papagaio e o macaco os que imitam os ecos das vozes alheias”. Eduardo Galeano.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia