O Tempo e a Guarda

Escrito por Francisco Manso

Vivemos numa época em que o estudo do clima assume uma importância acrescida e de indiscutível valor social, mais não fosse pelo aquecimento global e pelos fenómenos a ele associados.

Os primeiros observatórios para o estudo científico do clima em Portugal foram instalados na segunda metade do séc. XIX. As quatro primeiras cidades onde foram instalados foram Porto, Lisboa, Coimbra e a Guarda, logo em 1864, a única em que o observatório não estava ligada a nenhum estabelecimento de ensino superior.

Em 1881 foi organizada a célebre Expedição Científica à Serra da Estrela, organizado pela Sociedade de Geografia de Lisboa, que pretendia estudar, principalmente, as vantagens da altitude no tratamento de doenças pulmonares. Para isso, era necessário conhecer o clima da Serra, o que só seria possível com a instalação de um observatório. Comparar os valores obtidos no Observatório da Serra e no Observatório da Guarda era uma das expetativas mais interessantes, dada a latitude a que ambos se situavam.

O Observatório Meteorológico da Guarda

O lugar adequado para a construção de um observatório exigia algumas características apropriadas para o registo dos fenómenos meteorológicos: altitude, inexistência de construções adjacentes e boa exposição aos ventos. Certamente por isso, a Guarda foi, desde logo, dotada de um observatório.

Deve ter sido criado por volta de 1864, pelo menos nessa data já fornecia registos climatológicos ao observatório infante D. Luís, em Lisboa, que funcionava como Observatório Central. Para o fazer, de forma atempada, tinha que se recorrer ao telégrafo, mas para isso também a Guarda já tinha passado a estar dotada, desde 1860.

Foi instalado na Torre dos Ferreiros, um lugar privilegiado para o efeito, mas que em 1875 estava desprovido dos mais elementares cómodos, e por isso foi, então, dotado de uma “caserna” para os instrumentos científicos, e melhores condições para o técnico de controle.

Em 1885 foi decidido mudar o observatório para a torre do Mirante das Freiras, que se situava num local mais elevado, mas que pertencia ao convento de Santa Clara, razão pela qual não foi ali instalado inicialmente. Só que, em 27 de janeiro de 1885, morreu Dona Rita de Cássia, abadessa e última monja do convento de Santa Clara, e em 30 de julho desse ano o convento foi atribuído à Santa Casa da Misericórdia da Guarda, que dele irá abdicar.

Ora, ficando o convento desocupado pensou-se, desde logo, na mudança do observatório da Torre dos Ferreiros para o Mirante das Freiras, estávamos em outubro de 1885.

Só que, em 1889, já os restos mortais das freiras tinham sido transladados para o cemitério no ano anterior, o diretor das Obras Públicas da Guarda (1886-1888), Alexandre da Conceição, um homem tido por culto, polémico e anticlerical, com o beneplácito do governador civil, D. João de Alarcão, mandou deitar abaixo, sem qualquer vantagem, o Mirante das Freiras, e o observatório acabou por ficar na Torre dos Ferreiros.

Sem este observatório, pelo qual passávamos com indiferença, ignorando a sua presença e o seu papel na luta contra a tuberculose, nunca teríamos conhecido cientificamente o clima da Guarda. Não teria havido Sanatório Sousa Martins, não teriam sido salvas tantas vidas, e o desenvolvimento da Guarda nunca teria sido o mesmo.

Foi derrubado em 2018, em prol do desenvolvimento, sem cerimónia, discretamente, como afinal foi a sua longa vida.

O Observatório Meteorológico da Serra da Estrela

O Observatório da Serra da Estrela está intimamente ligado à Expedição Científica à Serra da Estrela. Foi instalado a 5 de agosto de 1881, no Poio Negro, a 1441 metros de altitude, sendo seu diretor Augusto Capelo, irmão do célebre explorador Hermenegildo Capelo. Era o seu único habitante, que no dizer de Sousa Martins ali vivia “paciente como um beneditino e desinteressado como um franciscano”, tendo perto a “esplendida toca de granito onde se acoita o adorável César Henriques”.

Começou a funcionar em janeiro de 1882, sendo que alguns dos seus instrumentos tinham sido utilizados por Capelo e Ivens em África.

A Casa do Observatório era, segundo conta Emídio Navarro em 4 dias na Serra da Estrela, um “verdadeiro pardieiro, que tinha custado um dinheirão. Consta de um só pavimento, retangular, ao rés do chão, com 4 portas e uma janela abertas para o nascente. As paredes são de granito, grosseiramente aparelhado, e sem nenhum cimento nas juntas das pedras. O vento, a chuva e a neve entravam por essas juntas, que era um regalo. E como a parede poente estava encostada ao morro, vinha a servir de escoadouro às águas. Era uma inundação quase permanente. A cobertura exterior era de folhas de zinco…”

O lugar do Poio Negro era um lugar completamente ermo e desabitado. Os únicos edifícios existentes eram o observatório, com um anexo para residência e a denominada casa da mula.

Ainda n

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1 Observatório da Guarda. Torre dos Ferreiros

aquele ano foi ali instalado um posto telegráfico, com ligação a Manteigas, para transmitir as observações meteorológicas, que começou a funcionar em outubro.

 

César Henriques, o mais famoso doen

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2 Observatório do Poio Negro

te da Serra

 

Alfredo César Henriques, foi o doente mais famoso da Serra, que para ali tinha ido a conselho de Sousa Martins em busca da cura da tuberculose, que há anos o afetava. Instalou-se primeiro no Observatório, juntamente com Capelo, mas, ainda nesse ano deu início à construção da lendária Casa da Fraga, junto a um enorme fragão, a 1441 metros de altitude. Ali permaneceu dois anos até ser dado por curado, o primeiro doente a encontrar a cura em altitude.

Mais tarde mandou construir algumas casas que arrendava a outros doentes. Também as barracas de madeira que serviram de abrigo aos operários enquanto decorria a construção do Observatório, passaram a albergar doentes. Vivendo isolado, e sendo abastado, tinha comprado uma máquina fotográfica, então coisa rara, com que se entretinha. Resultado dessa solidão e da maestria com que a manuseava, são as vistas maravilhosas da Serra, que nos legou.

Emídio Navarro veio a ser ministro das Obras Públicas, e sendo grande amigo de Sousa Martins e conhecedor das potencialidades da Serra, pôs a concurso a estrada de Gouveia a Manteigas, deu início à florestação da Serra, e criou em 1888 a Estação Telégrafo-postal, ao lado do antigo Observatório, para diminuir o isolamento dos doentes.

Entretanto,

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3 Casa da Fraga

tinha sido construído um novo observatório meteorológico, um pouco mais abaixo, na encosta que conduz ao covão de Manteigas, que mantém o seu funcionamento até hoje. O antigo Observatório do Poio Negro foi desativado, passando a alojar os empregados das Obras Públicas da Guarda, que, afinal, o tinham edificado. Foi seu diretor Alfredo Oneto, também ele dado à fotografia, que fez maravilhosos postais da Serra.

Professor Pinto Peixoto

É impossível, seria injusto, não referir José Pinto Peixoto, talvez o mais eminente meteorologista português de sempre. Mas a sua área de atuação era vasta: climatologista, cientista, investigador, professor universitário, académico, humanista… Nasceu na Miuzela, Almeida, em 1922, e faleceu em Lisboa em 1996, mas não sem antes ter publicado “Miuzela – a Terra e as Gentes”, uma monografia que prova seu amor pela terra onde nasceu.

Ficou famosa

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4Prof. Pinto Peixoto

a sua Regra dos Três PêsNão há nada mais perigoso do que professor novo, prostituta velha e pistola encravada.

 

Sobre o autor

Francisco Manso

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