O politicamente correto

«Posso não concordar com o que diz, mas defenderei até à morte o seu direito de dizê-lo»,

A afirmação alarve de André Ventura na Assembleia da República, domina o debate político. O líder do Chega, na sua intervenção a propósito da escolha da localização do novo aeroporto de Lisboa, disse: “O aeroporto de Istambul foi construído e operacionalizado em cinco anos. O aeroporto de Istambul… Istambul! Não estou a falar de Veneza: Istambul. Ora, os turcos não são propriamente conhecidos por serem o povo mais trabalhador do mundo”. Para a esquerda foi um ataque xenófobo ao povo turco; para a direita e alguma esquerda moderada foi mais uma intervenção patética, ao nível de outras feitas pelo presidente do Chega. E a que o presidente da Assembleia da República escolheu ouvir sem censurar, em nome da liberdade de expressão. Aguiar Branco podia ter dito que a afirmação era excessiva e incorreta e não ficava bem a um deputado usar uma metáfora ofensiva de um povo. Podia até ter interrompido o deputado para referir que devia ser mais elegante na sua expressão. Mas não era isso que os partidos de esquerda queriam. Para alguns, o presidente do parlamento deveria ter invocado o regulamento e mandar calar André Ventura, queriam que à verborreia habitual do líder do Chega, a Assembleia da República impusesse as regras, a censura e a criminalização pelos disparates proferidos. Habituados ao circo que o anterior presidente do parlamento fazia em resposta às provocações histriónicas de André Ventura, a líder parlamentar do PS queria incendiar o hemiciclo e uma deputada do Livre queria silenciar Ventura em nome da humanidade…
E a tudo isso Aguiar Branco respondeu «a meu ver, pode…». Pode dizer o que quiser. Pode dizer baboseiras e parvoíces, pode dizer alarvidades e patetices. Porque em nome da liberdade de expressão, o presidente até lhe podia tirar a palavra, mas apenas para lhe dizer: tenha juízo! Não para lhe tirar o direito de expressar a sua opinião, porque a «a liberdade de expressão está constitucionalmente consagrada e a avaliação do discurso político, que seja feito nesta casa, será feita pelo povo em eleições». E a opinião e ideias de Ventura têm de ser combatidas com contestação, com argumentos, com a verdade e a denúncia da demagogia e da mentira, no debate político. Não com mordaças, circo e gritos. Isso é o que André Ventura quer e lhe tem permitido ter palco mediático e político. A Assembleia da República é a casa da Democracia e será intolerável que a censura se imponha à liberdade de expressão… mesmo que discordemos ou achemos ilegítima ou xenófoba.
«Posso não concordar com o que diz, mas defenderei até à morte o seu direito de dizê-lo», explicou Evelyn Beatrice Hall, quando em 1906 resumiu o pensamento de Voltaire. Aguiar Branco podia-se ter lembrado de Voltaire quando respondeu aos deputados exaltados perante mais uma provocação do Chega. A exaltação no parlamento foi excessiva e só contribuiu para o ruído xenófobo e provocador habitual na extrema-direita. A afirmação racista de Ventura não acrescenta nada ao debate sobre imigração, dignidade das comunidades, integração ou respeito pela diferença. Mas o presidente da Assembleia da República, com a sua leitura ampla sobre liberdade de expressão, faz bem em não censurar o conteúdo das intervenções dos deputados. Mas pode e deve exigir civilidade, dignidade e respeito.
A metáfora de André Ventura até podia ser interpretada como uma provocação sobre demorarmos o dobro do tempo dos turcos para construirmos um aeroporto (o de Istambul, com o dobro das pistas, foi feito em cinco anos). Mas a maioria concentrou-se no discurso ofensivo e nas baboseiras (como perguntou João Miguel Tavares, «deverão as graçolas sobre alentejanos, compadres e chaparros passar a ser criminalizadas por incitamento à discriminação?»). Os deputados, deviam, isso sim, retorquir, contestar politicamente e debater a questão, replicando. Optaram por defender o habitual discurso do politicamente correto, do regulamento, da lei e da imposição de direitos. Tem sido este comportamento que tem dado ar aos movimentos extremistas e à vitimização dos provocadores.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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