O perigo por detrás destas anedotas sem piada

Escrito por Fidélia Pissarra

Há apenas uma década, um deputado da nação que fosse apanhado em excesso de velocidade, a conduzir alcoolizado ou a trair o parceiro, para nosso descanso, chegava ao fim do seu percurso político. Normalmente, abandonava a Assembleia da República e ia à sua vida sem mais sobressaltos para qualquer um de nós. Eram outros tempos. Quando, no mínimo, aos deputados da nação se exigia que fossem suficientemente lúcidos e honestos para não se porem, alegadamente, a recolher malas alheias num dos locais com mais videovigilância do mundo, o aeroporto, e, a seguir, ainda se porem a vender o conteúdo das mesmas publicamente.
Há uma década, há só dez anos, tamanha façanha só poderia ocorrer no âmbito de uma anedota com que, ao estilo dos Monty Python, se ridiculizariam os aspirantes a políticos loucos. Há uma década, esta descrição da atividade extra a que, aparentemente, um deputado da nação se dedicaria envergonhava, e muito, tanto os seus promotores como os seus eleitores. Porque se havia coisa de que não sentíamos falta nenhuma era de um critério para avaliar o tamanho da desfaçatez dos néscios. Não que essa, como qualquer outra coisa, não pudesse ser medida, mas apenas porque não nos fazia falta nenhuma conhecer-lhe a dimensão. Sabermos da sua existência era o suficiente para nos aterrorizarmos e desatar a fugir dela. Não precisávamos de lhe conhecer o tamanho.
Infelizmente, isso acabou, porque o critério de que nunca quisemos saber é-nos agora imposto pelos néscios que outros néscios elegeram para nos impingirem a sua loucura e perfídia como necessária para acabar com males que os próprios inventam e só na sua cabeça existem e ganham dimensão. A partir de agora, a avaliação da idoneidade de um deputado já não se fará por referência à sua dimensão intelectual, ou, vá lá, ética e moral, mas sim por referência à sua capacidade para entender que pode estar a ser apanhado, pelas câmaras de um aeroporto, a agir de modo interdito a qualquer cidadão com, no mínimo, dois dedos de testa.
Por isso, a bem da democracia, das duas uma, ou deixamos de confiar, às cegas, nos partidos políticos, principalmente nos mais recentes, para a seleção dos deputados a eleger, ou deixamos de confiar nos eleitores, principalmente nos que elegem tontinhos propostos pelos partidos mais recentes. Na impossibilidade de qualquer destas alternativas restar-nos-á, talvez à semelhança do que se faz no recrutamento para os cargos da função pública, começar a exigir aos candidatos a deputados certificados de saúde mental, de robustez psíquica. Mas, como provavelmente isso já não será suficiente para garantir que não sentamos na Assembleia da República gente que devia era estar sentada noutro lugar, o melhor seria começar a exigir o mesmo a quem os elege. Aliás, enquanto sim e não, a bem da democracia, qualquer suspeito de ser doido de má índole, ou de estar na iminência de praticar atos de doideira perversos, deveria poder ser interditado de eleger e ser eleito. Porque, embora saibamos, há mais de 4 séculos, que os sebastianistas nunca foram de fiar e, por isso, tenhamos sido sempre algo cautelosos com movimentos e candidatos independentes, nascidos do nada ou da exclusão das listas dos partidos de que se desfiliam, que se apresentam como salvadores da pátria, com estes novos partidos, feitos de mentirosos que singram a chamar mentirosos aos outros, parece que isso já não é suficiente.

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Fidélia Pissarra

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