O Peles, a Ti Maria, o ciganinho da Estação e outras tantas personagens da conspiração

Escrito por Albino Bárbara

“O mudo em que vivemos está repleto de enormes, sofisticadas e terríveis conspirações.”

Os mais velhos recordam-se de um homem baixote, de capote até aos pés e um gorro de lã que nos anos 60 deambulava pelas ruas da cidade mais alta tentando comprar peles de raposa, de coelho e metais, que aperfeiçoava o pregão comercial «Aqui vem o Peles. O da banha da cobra que não estica nem dobra».
Também nos anos 60 no mercado quinzenal, realizado nas ruas da cidade, tínhamos a presença constante da Ti Maria das ervas e poções, poções essas que mais não eram que as plantas do seu quintal e água do Noéme. Vociferava assim a Ti Maria: «Não é preciso ir ao Dr. Tenho a cura para todas as doenças. Aqui não paga nem vinte, nem dezoito, nem catorze escudos, só paga sete, nem paga o frete nem a folha do canivete e, se levar três produtos ainda leva uma cassete».
Na Rua Direita, o cigano brincalhão, que vivia lá para os lados da Estação, era sem dúvida o mais honesto: «Eu estou aqui para burlar/ Nem um, nem dois, nem três/ Eu venho para enganar todos de uma só vez». E lá ia vendendo as meias de senhora, mais os lenços e o cobertor.
Sessenta anos depois destas interessantes estórias egitanienses, a história parece querer repetir-se e os vendedores de ilusões, os tais que não olham a meios para atingir fins, vão apregoando, agora de forma bem mais “soft”, no jardim do “boulevard”, todas as promessas de uma nova banha, de marca certificada, confecionada em cozinha “gourmet”, onde a patranha convincente traz adicionada água do Douro, Tejo ou Guadiana e, ao óleo de jiboia, é-lhe acrescentado gordura de sururu, altamente eficaz, para todos os males que nos afetam, contracenando com a ingenuidade e simplicidade das nossas personagens dos anos 60.
Olhando ainda para esses anos, recordam-se seguramente da quadra que assentava que nem uma luva ao regime de então – «Oh meu Portugal tão lindo/ Oh meu Portugal tão belo/ Metade é de Jorge de Brito/ A outra metade de Jorge de Melo». E agora… sim… e agora?
Pois bem, a Greco é o Grupo de Estados Contra a Corrupção do Conselho da Europa e o Índice da percepção da corrupção coloca-nos num “honroso” 34º lugar no ranking mundial, seguidos bem de perto por todos os países do sul da Europa. E as perguntas colocam-se: Se todos os países nórdicos lideram este processo como os menos corruptos do mundo, porque será que no sul da mesma Europa não é assim… Mentalidade?
O dar o jeito, a cunha, o favor, o puxar os cordelinhos, perpetuam a burocracia e a mediocridade, combatem o mérito e toda esta lógica de atuação é defendida e aplicada por toda a sociedade lusa. Todos metemos cunhas. Desde o mais simples requerimento entrado na mais recôndita repartição pública até ao concurso de emprego ou adjudicação. Quando não é connosco assumimos uma postura muito critica, não sabendo, sempre que nos toca, retirar a cara quando cuspimos para o ar. Lá diz o ditado, “A ocasião faz o ladrão”.
Isto tem a ver com a teoria da conspiração. O mudo em que vivemos está repleto de enormes, sofisticadas e terríveis conspirações. Afinal, o Jerry não era assim tão paranóico quando se percebe que a História está repleta de conspirações e traições e nem é preciso ir rebuscar o Estaline e o Trotsky, o Salazar e o Humberto Delgado ou o Franco e o Garcia Lorca… Recordam-se que pelo melhor acto de amor o discípulo traiu o mestre.
Olhemos de seguida para a elaboração das listas dos candidatos a deputados de certos e determinados partidos, concorrentes às eleições legislativas de 10 de março. Verdade verdadinha, nos outros estão os adversários. No nosso estão os inimigos. Foram golpes palacianos, transferências oportunistas, conluios, deslealdades, faca na liga e cutelo nas costas.
Culpa de tudo isto? Fácil, muito fácil: Os partidos do chamado arco da governação, únicos responsáveis pela criação de um monstro com pele de cordeiro que, de palavrinha simples e mansa, vai debitando verdades universais, agradáveis ao ouvido, que alimentam a alma, manipulam sentimentos, mas que no revés da medalha programática não passa do autêntico escarro que entretanto a Democracia deixou parir onde os chateados, incautos e culturalmente vulneráveis irão descarregar a sua danação num voto que, segundo as sondagens, pode vir a ter um numero significativo de deputados. Serão daqueles que se dizem antissistema,mas que querem a todo o custo fazer parte do mesmo, prometendo um mundo muito melhor, tipo Alice no país das Maravilhas, vendendo uma banha reles e duvidosa, que por mais dourada que esteja, não estica nem dobra.
Ai que bonito, bem mais saudável e verdadeiro era o mundo do Peles, da Ti Maria e do ciganinho da Estação.

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Albino Bárbara

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