O Natal na cidade da Guarda

Se há época que entrecruza de forma harmoniosa as memórias da infância, o convívio familiar, a confraternização com amigos há muito ausentes e o ambiente mágico especial é, sem sombra de dúvidas, o Natal.
Posso dizer, com o peito cheio de orgulho, que há 50 anos que não falho um Natal na Guarda. E não sei se é por ser a minha cidade ou se efectivamente existe uma mística peculiar nesta encosta norte da Serra da Estrela, mas a quadra natalícia na mais alta tem algo de fascinante e encantador. Poderá ser do frio seco e glacial que nos remete para o imaginário nórdico, poderá ser do granito cinzento e austero que adorna a tradição, poderá ser do calor humano e generoso que caracteriza os beirões, poderá ser da gastronomia farta e apetitosa que a época tão bem oferece ou poderá ser de um efeito conjunto e multiplicador que estas características operam em todos aqueles que têm a sorte e o privilégio de passar a última quinzena do ano nestes 1.056 metros de altitude.
Estas particularidades distintivas, irreplicáveis e não imitáveis, podem servir de base para uma aposta turística sazonal, que aproveite melhor as oportunidades, dinamize o comércio e fortaleça a economia local.
Como exemplo, socorro-me da “Cidade Natal”, que acabou de completar 10 anos da sua existência. À data, em 2014, era algo inovador que poucas ou nenhumas localidades possuíam. Em 2024, porventura, serão mais as terras que têm do que as que não têm.
Se queremos continuar a ter aquela actividade (e eu acho que se deve continuar) devemos então fazer algo marcante, que torne a Guarda única e se enraíze no subconsciente dos portugueses e estrangeiros, tal como, quando se fala em leitão se remete para a Bairrada e quando se fala de Carnaval pensamos em Torres Vedras.
Na minha opinião, é um erro continuar a afunilar tudo na Praça Velha, pese embora ser a principal sala de visitas da Guarda, não está urbanística e estruturalmente preparada para aquele tipo de eventos. Para isso, dever-se-ia utilizar todo o corredor que vai desde o cruzamento do Jardim José de Lemos/ Hotel Turismo até ao Largo da Misericórdia, continuando, como até aqui, pela Rua do Comércio até à Praça Luís de Camões.
Em volta do jardim poderia fixar-se um mercadinho de Natal, decalcado sem invenções das cidades nórdicas (sim, quando se copia com qualidade não vem nenhum mal ao mundo que se faça). Todos os outros equipamentos natalícios como a “Casa do Pai Natal”, o “Carrossel”, a “Árvore de Natal”, etc., seriam distribuídos por aquele percurso, criando uma ampla zona pedonal. Até poderia haver espalhadas pelo itinerário várias casas dos elfos, cada uma delas explorada por um negócio local (restaurantes, bares, etc.). A Praça Velha poderia voltar a ter a famosa pista de gelo (revista e aumentada) e os comboios ou “tuk-tuk” continuariam a circular no percurso habitual. A passadeira vermelha estender-se-ia até ao cruzamento da Rua do Encontro com o Largo Frei Pedro (em frente ao quiosque O Moinho), que passaria a ser a entrada principal para o evento.
Os espectáculos da passagem de ano poderiam realizar-se no largo do Hotel Turismo e Av. Coronel Orlindo de Carvalho, tal como acontece aquando das marchas populares.
Por último e como existe a consciência de que algo desta envergadura poderia criar alguns constrangimentos na fluidez do trânsito, encurtar-se-ia o evento para cerca de metade do tempo, havendo, contudo, o cuidado de fazer coincidir o seu encerramento com o Dia de Reis.
Reconheço que é uma proposta ambiciosa, mas já que a maioria da população tem carinho pela “Cidade Natal”, ao menos que façamos algo em grande, que nos projete enquanto cidade e que retiremos o maior proveito económico deste investimento.
E todo este cenário, embalado pelas particularidades que caracterizam a Guarda e que foram descritas no início deste texto, daria um pano de fundo envolvente para uma aposta de futuro.

* O autor escreve ao abrigo dos antigos critérios ortográficos

Sobre o autor

Ricardo Neves de Sousa

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