Sempre tive dificuldade em lidar com coisas fechadas, latas fechadas, embalagens fechadas, portas fechadas e, principalmente, mentes fechadas. Não raras vezes dou por mim a maldizer o fabricante, que imagino a rir-se da minha aselhice, sempre que o arroz, o leite, a compota, se espalham na bancada da cozinha só por os tentar livrar das embalagens. Já para não falar daquelas portas de supermercado cujo sensor se avaria quando quero sair ou entrar e as dos bancos que ora abrem para dentro, para fora, ou só quando todas as portas do espaço estiverem fechadas. É que nessas situações, como se a humilhação de ficar a olhar para cima e para os lados à procura de uma fechadura que me tire dali para fora não bastasse, há sempre quem corra para mim com um “quer ajuda” em riste.
Claro que das poucas vezes em que me dou ao trabalho de responder, disparo com um “não” suficientemente demolidor para acabar logo ali com a conversa e com o descaramento do conversante. É que, normalmente, quem dá pela frustração das minhas saídas é por também querer sair e estar na mesma situação que eu e nunca me ocorreria perguntar-lhe se queria ajuda para resolver o meu próprio problema. Daí que deixar que a fúria me tolde o discernimento e desatar a insultar a perversidade que imagino logo a saltar-lhes por todos os poros seja uma questão de segundos: “Não, não preciso de ajuda e você?” Quem é que esta gente se julgará para pensar que me domina sob uma pretensa capacidade para me resolver o que quer que seja, para se me tornar útil e imprescindível como se a minha sobrevivência dependesse da sua ajuda que, em boa verdade, não preciso, nem nunca solicitei? Talvez heróis de banda desenhada merecedores da gratidão eterna dos meros mortais. Possibilidade que, por si só, atestará da insanidade mental destes manipuladores de trazer por casa. E com doidos, bons ou maus, prefiro não ter nada.
Compreenderão, portanto, que ao contrário da senhora, escritora, que muito se indignou com a pretensa submissão da esposa que em pleno restaurante se atreveu a cortar em pedacinhos o bife para o marido comer, ache que este tipo de doidos é gente para nos endoidar ao ponto de lhes agradecer por isso. Nunca interpreto estas “ajudas” como submissão, mas sim como o jeito, subtil e insidioso, desenvolvido por algumas pessoas para controlar os outros. E, lembrando que minha avó chamava “lambe botas” a estes “ajudantes”, até compreendo o facto recorrente de serem o governo sombra de qualquer coisa. A bem da verdade, com o seu ar submisso, prestável e omnipresente, quais grilos falantes alojados no ouvido do chefe, de serem os reais, os verdadeiros, governantes de qualquer coisa. Por isso, na minha perspetiva, o tal episódio que Margarida Rebelo Pinto terá presenciado num restaurante, que só escritoras muito fecundas e gestores de muito sucesso frequentarão, não terá sido caso de machismo, ou de não feminismo, nenhum. Cá para mim, deu de caras com mais uma de mão que embala o berço e nem reparou. Quer dizer, deu de caras com alguma mão que não pretenderá prescindir de embalar o (in)sucesso e não a reconheceu. Assim é que é.