O Hospital Sousa Martins (HSM) volta a estar esta semana na ordem do dia. Desta feita o destaque na Assembleia da República, o qual surge na consequência da petição que foi entregue pelo Movimento de Apoio à Saúde Materno-Infantil (MASMI).
O documento sustenta a necessidade de requalificação do antigo pavilhão das Urgências e blocos operatórios da unidade hospitalar guardense e deu o mote para as várias posições político partidárias; uma vez mais são esquecidos projetos e promessas anteriores relativas ao HSM, é olvidado o património construído, a história da cidade, a importância que o Sanatório Sousa Martins teve para a Guarda e para Portugal.
Ao longo das últimas décadas houve várias ideias, propostas, planos de valorização e recuperação dos emblemáticos pavilhões do Sanatório, ao mesmo tempo que se lançaram bases para um espaço museológico (veja-se o trabalho de Dulce Helena Borges sobre esta matéria e a investigação desenvolvida); foi elaborado um “Plano Funcional para o Novo Hospital” e projetos que englobavam a salvaguarda e utilização dos Pavilhões Rainha D. Amélia e D. António de Lencastre. Em 2017, numa entrevista publicada na revista “Praça Velha”, o pneumologista José Guilherme (que foi diretor do Hospital da Guarda) defendeu, por exemplo, que «esses dois pavilhões deviam ter uma finalidade de assistência médica e uma das vertentes que poderia ser criada era um grande Centro de Reabilitação, que tivesse o apoio muito estreito de um grande centro nacional. Era uma mais-valia, altamente vantajosa, para o Hospital Sousa Martins».
Curiosamente, as preocupações de salvaguardar e rentabilizar os antigos edifícios do Sanatório já vinham de décadas anteriores. Martins de Queirós, último diretor do Sanatório Sousa Martins, defendia em 1974 a utilização do Pavilhão I (conhecido também por Pavilhão Lopo de Carvalho, onde funciona atualmente a Administração da ULS) para um Centro Policlínico, «tudo num mesmo edifício». Num artigo publicado no jornal “Notícias da Guarda”, em fevereiro de 1987, este cirurgião reiterava os seus argumentos a favor da instalação naquela estrutura de «tudo o que é consulta, tudo o que é ambulatório, incluindo delegação de saúde ou subdelegação de saúde; em resumo um conjunto de “Clínicas” integradas na pessoa do doente. Para mim o que interessa não é o nome, mas a função como ponto de encontro médico-doente».
A proposta que tinha apresentado em 1974 (e que incluía uma pormenorizada descrição da estrutura, apoiada em peças desenhadas «segundo medidas feitas no próprio edifício», sublinhava que a superfície total dos três andares, acrescida da cave e mais a do salão de cinema ronda os 5.000 metros quadrados, não contando com a galeria do lado oeste (…)».
Aliás, é justo lembrar que Martins de Queirós foi defensor da concentração dos serviços hospitalares da Guarda na área do Sanatório Sousa Martins. Como este clínico escreveu em 1987, no “Notícias da Guarda”, «já em 1972 esta clara solução é posta diante dos olhos das autoridades locais e governamentais, sem esquecer personalidades como o Bispo da Diocese. Mas depressa surge a “guerra” contra esta ideia. Falar de “guerra” em Serviço de Saúde é uma monstruosidade, mas o certo é que começou há muito e persiste. Ela, no começo, era surda, assolapada, mas deu em arruaça. A gente da Guarda merece que lhe seja explicado o motivo desta “guerra”, pela simples razão de que sempre será ela a pagar as consequências destes desconchavos».
Recordemos que, e como já tivemos a oportunidade de sublinhar num anterior apontamento publicado nesta coluna de opinião, durante muito tempo o poder político foi protelando a decisão de concentrar na área outrora ocupada pelo Sanatório Sousa Martins os serviços hospitalares que funcionavam no bloco da Rua Dr. Francisco dos Prazeres, em instalações pertencentes à Misericórdia da Guarda. Apesar de alguns responsáveis pelo sector da saúde terem reconhecido (nomeadamente no decorrer de visitas oficiais) que esta cidade possuía um espaço ímpar para a atividade de um bom estabelecimento hospitalar, depressa essas palavras caíam no esquecimento e os planos encetados tinham como destino uma qualquer gaveta das secretárias ministeriais.
Consequentemente, ao longo de vários anos teve lugar – como muitos devem ainda estar recordados – o penoso vaivém de doentes entre o centro da cidade e o atual Parque da Saúde; a dispersão de serviços fazia disparar as despesas do hospital e dificultava o aproveitamento racional de meios humanos e técnicos, com as consequências óbvias. A concentração de serviços, finalmente materializada, não foi feita num quadro de previsões que contemplasse um mais vasto horizonte temporal, onde ficasse garantida a articulação com novas estruturas e espaços, assegurando a identidade de uma área que durante décadas constituiu uma autêntica cidade e projetou a Guarda, dentro e fora das fronteiras nacionais.
De hesitação em hesitação, com diferenciadas diretrizes político-partidárias de permeio, a Guarda assistiu – salvo uma ou outra tomada de posição pública, apesar de tudo inconsistente – à progressiva degradação dos pavilhões do ex-Sanatório (inegável e insubstituível património desta terra), ao desaparecimento de muitas memórias de uma época marcante desta secular cidade.
Apontados os erros e equacionadas as soluções, o Hospital da Guarda permaneceu, durante anos, nos caminhos da indecisão governamental e serviu de arma de arremesso nos confrontos político-partidários; perdeu-se demasiado tempo, enquanto noutras zonas se trabalhou com mais rapidez, união de esforços e inabaláveis atitudes reivindicativas. Se a construção de um novo bloco hospitalar veio dar novas condições de trabalho e de resposta aos utentes, suscitou, por outro lado, a esperança na concretização de outros anseios e na requalificação global de um espaço ímpar.
Em janeiro de 2014 os antigos edifícios do Sanatório, no Parque da Saúde, foram classificados como conjunto de interesse público; a portaria publicada não travou, como se tem visto, a progressiva degradação dos centenários pavilhões. Continuaram, sim, a ser reeditadas promessas, a surgir novas intervenções públicas, protelando-se uma vez mais a decisão e a respostas às reais necessidades de uma cidade e de uma região do interior. É uma triste sina: longos anos de espera e/ou de condescendência perante o incumprimento de promessas, enquanto se vão alimentando soluções parciais que não fortalecem e consolidam o futuro.
Entretanto, o desconhecimento da realidade ou transmissão de informações imprecisas conduziram à recomendação que «para além do pavilhão 5, é também necessária a célere intervenção no pavilhão Dona Amélia, com cerca de 110 anos de idade, de forma a melhorar as condições de conforto dos utentes e garantir a melhoria das condições de prestação de cuidados de saúde»… Desconhecemos o perfil dos utentes que frequentam as ruínas desse espaço e, por uma questão de rigor histórico, diga-se, já agora, que o pavilhão em causa completou já o 113º aniversário após a inauguração oficial…
Todos os esforços e contributos são importantes para que, de uma vez por todas, se faça justiça à cidade da saúde (como foi conhecida a Guarda durante o passado século) e a sua unidade hospitalar tenha o estatuto e a dimensão que merece, sem esquecermos o dever de memória da atividade assistencial iniciada maio de 1907. Haja consensos, ponderação, conhecimento profundo da realidade, empenho e determinação na implementação das decisões que correspondam aos anseios de ontem, às urgentes necessidades de hoje e às solicitações de amanhã.