Num mundo habituado a viver de acordo com estereótipos televisivos vertidos nas redes sociais, os problemas pessoais tendem a não encaixar. Raramente um evento social combina com as dificuldades matinais de quem precisa de cumprir horários alheios para sobreviver. À azáfama própria das famílias com filhos pequenos, acrescentou-se a trabalheira de existir digitalmente. Os guiões de comportamento, moda, alimentação, saúde e viagens acertam o ritmo pela bitola da velocidade da internet lá de casa e nem tempo há para gerir os afetos que se substituem por maneirismos de novela. Os filhos ascendem todos à realeza e os pais desaparecem atrás dos avós. A vida corre sobre rodas padronizadas e parece que ninguém se preocupa com isso. Ou melhor, parecia. De repente, vindo do nada, um vírus aconselha a que não nos aproximemos mais de um metro uns dos outros. Os convívios são proibidos e os fantasmas dos avós surgem das brumas de lares da terceira idade digna de filmes de terror, há muito caídos em desuso. Sem coroa, propósitos ou mordomias, as crianças, com sorte, correm pelos corredores das casas grandes e as azaradas mirram sentadas no exíguo do sofá com os olhos num ecrã, porque até a escola fechou na tentativa de travar contágios.
Na tentativa de minimizar danos e prejuízos, abrem-se os negócios que não fecharam de vez e tenta-se repor alguma normalidade nas nossas vidas para que não sucumbamos todos nas voltas que a pandemia nos dá. Imprescindíveis, nesta tentativa, emergem as escolas a quem é pedido que minimizem malfeitorias virais infligidas às crianças e jovens. Do trauma, que alegadamente os professores e outros funcionários públicos, costumam infligir às contas públicas já ninguém se lembra e só já se lhes pede profissionalismo, sem ninguém pensar em despesas.
O cenário deste retorno às aulas, nada tendo de normal, tenta recuperar muito do que a última meia dúzia de décadas relegara para segundo plano. Os professores, de quase dispensáveis, vêm-se na iminência de serem insubstituíveis. Aos docentes, pede-se agora que além de gerir a aprendizagem, façam a gestão das emoções dos alunos que regressam à sala de aula. Na impossibilidade de abraçar e beijar, pede-se-lhe que sejam criativos e inventem novas formas de afeto. Afinal, são os afetos que nos hão de salvar a todos das garras dos ansiolíticos e afins. A quem, eventualmente, falte engenho para grandes invenções, talvez valha a pena relembrar que, em muitos dos casos, os afetos já estão habituados a ser suplantados por um novo par de sapatos ou um telemóvel, mas não é isso que se pretende. Aos professores, pede-se apenas que sejam aquilo que se pensava terem deixado de ser, protetores, amigos, pais, avós, tios, vizinhos e… até confidentes. Neste regresso à escola, sobre qualquer média do secundário, deve prevalecer a saúde mental das futuras gerações. Porque, um mundo endoidecido por vertigens consumistas, ou confinamentos castradores, é tudo o que ninguém deseja e, muito menos, precisa.