Maus tempos no canal (da Mancha)

“No rescaldo televisivo das eleições francesas, enquanto os “vencedores” da noite partiam montras e se atiçavam à polícia, tal e qual como nas noites em que “perdem”, vários comentadores disseram que se tinha travado o crescimento da extrema-direita.”

No espaço de três dias, a França e a Inglaterra proporcionaram, como é costume ao longo das suas atribuladas histórias, sentimentos contraditórios: no Europeu de futebol, aborrecimento geral mesmo ao mais fanático dos adeptos, nas eleições parlamentares, regozijo forte mesmo ao militante mais distraído das esquerdas continentais.
Em todas as quatro contendas, o resultado final foi melhor do que a exibição em termos gerais. E se os ingleses, contrariando a história, venceram finalmente um desempate por penáltis, os franceses fizeram aquilo que sabem fazer melhor – vencer a equipa portuguesa, excepto quando o embate é num estádio em Paris ou numa serra no Buçaco.
Nas eleições britânicas e francesas, o resultado final – o número de deputados – para os partidos de esquerda foi francamente melhor do que a exibição – o número de votos.
No Reino Unido, o Partido Trabalhista afiambrou dois terços dos lugares no parlamento com um terço dos votos. Em França, a Frente Popular, coligação de esquerda liderada pelos radicais da França Insubmissa, obteve menos três milhões de votos do que a Reunião Nacional, dos radicais de direita, mas elegeu mais 38 deputados.
Em Portugal, estes resultados conseguidos à custa do sistema eleitoral maioritário e uninominal, foram amplamente celebrados pelas diversas famílias do socialismo moderno, que rejeitam de forma peremptória qualquer aproximação do sistema eleitoral português a estas fórmulas por as considerarem injustas e desproporcionais. Haveremos de voltar a ver a esquerda a queixar-se de sistemas eleitorais lá para Novembro, se Trump ganhar o colégio eleitoral e Biden, o voto popular.
Por mim, não há razões de queixa nem da desproporcionalidade da representação parlamentar nem dos penáltis por “bola na mão”. As regras são conhecidas à partida e são iguais para todos.
Em França, os vários partidos à esquerda, dos radicais aos moderados, tiveram pouco menos de 35% dos votos. O centro-direita, a direita clássica e a direita radical tiveram aproximadamente 65%. Em Inglaterra, os Trabalhistas obtiveram menos de 10 milhões de votos, contra 14 milhões dos Liberais, Conservadores e Reformistas. Pedro Nuno Santos, instado a comentar estes resultados, afirmou que estas eleições provam que a Europa não está a virar à direita. Parece-me óbvio que contas não é o forte do líder socialista.
No rescaldo televisivo das eleições francesas, enquanto os “vencedores” da noite partiam montras e se atiçavam à polícia, tal e qual como nas noites em que “perdem”, vários comentadores disseram que se tinha travado o crescimento da extrema-direita. O partido de Marine Le Pen subiu de três milhões de votos em 2017 para dez milhões em 2024. O partido de Nigel Farage, que obtivera 650 mil votos em 2019, teve agora mais de quatro milhões. Como impedimento de crescimento, não está mal. Nunca mudem a vossa forma de olhar para o mundo. Os radicais, que de tão pequeninos vão torcendo os nossos destinos, agradecem.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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