Listerine

Escrito por Diogo Cabrita

Um tipo de boca lavada não cospe para o chão, não grita impropérios, não ofende a despropósito. Uma boa boca bochecha.

Um problema das bocas é o odor, que as máscaras ajudam a evitar. Uma pessoa Listerine é alguém que bochecha para evitar o mau hálito, que escova os dentes para retirar o tártaro, evitar a língua seborreica, fugir aos cheiros do tabaco, esconder o bafo de vinho. O mau cheiro vem do dente defunto, chega da periodontite, da gengiva não salubre. Os cidadãos que se preocupam vão buscar eludril para competir com os colgate gel, ou os listerine. Todos querem evitar o beijo da besta, todos se escondem com odores da realidade que julgam ter. A verdade está no cigarro, no álcool, na adrenalina, nos corpos cetónicos que chegam do pulmão expirados. O homem listerine é um homem preocupado e gosta de mulheres eludril. Um tipo de boca lavada não cospe para o chão, não grita impropérios, não ofende a despropósito. Uma boa boca bochecha.

A boca tem esta função demolidora, vem com a vontade de tudo destruir, vem com a inveja, os palavrões, surra os opositores, cospe veneno no contraditório. Mas há línguas de amor, há beijos doces, há ternuras infindas que chegam com a boca. A verdade está nesta dicotomia entre o que gostamos e aquilo que odiamos. A boca devora, rasga, saboreia e lambe. Um instrumento fantástico que para mais debita palavras e representa emoções nos esgares, nos beiços, nas gargalhadas. Estão a chegar eleições e surgem algumas oralidades trabalhadas, cassetes repetidas, outras discos série B, vem também os engraçados e os brutos. Todos bochecham e se preparam.

A política de hoje é torpe, é insultuosa, é feita de inapresentáveis falsidades, de redução de argumentos por piadas, de jogadas abaixo da cintura para atingir um fim. Não importa o que se diz desde que tenha a forma certa e as mentiras adequadas. Na semana passada, na América, fez-se escola num debate presidencial perto da vergonha. Há construtores de verdades sentados nos computadores a verter fel, diabetes, hipertensão, oncologia sobre os outros. Estas bocas podem usar colgate gel, ou listerine, mas continuam sujas, torpes, incapazes de compor a ideia, de estruturar o caminho. A boca levou Obama ao pódio da América. O discurso, a fantasia e a eloquência promoveram alguns cidadãos a lugares cimeiros. Uma bela conversa abarca, enrola, incorpora. Não há vendedor de feira sem dom. A boca listerine é trabalhada para tocar a alma dos outros. Eles bochecham. E estamos na hora da bochecha. Beijos se servirão e máscaras nos vão separar. A nova realidade gasta menos no dentista e por essa razão pode ser pior. Agora não lemos os lábios.

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Diogo Cabrita

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