Finalmente, terminou a Liga dos Debates, um campeonato com partidas muito bem disputadas e com fervorosas claques, sempre prontas a gritar “ó shô árbitro, atão isto não é falta?”.
Houve debates em que se jogou para o empate, outros em que uma equipa entrou ao ataque, outros em que foi um jogo mais de contra-golpe. Houve um ou outro caso de bola parada, mas os remates de longe foram mais raros.
Mas o mais emocionante deste campeonato foram os verdadeiros debates entre comentadores que se seguiam aos debates entre candidatos. Neste, aprendemos várias coisas que distinguem os candidatos a deputados e primeiros-ministros.
Já desconfiava, mas agora estou certo, com a sabedoria dos comentadores, que se o interveniente for de um partido de direita, interromper muitas vezes é falta de educação, mas se for de um partido de esquerda, é combatividade. Se um candidato mentir, é um demagogo, se vier do centro até à ponta direita, mas a mentira é uma arma eficaz para atestar uma convicção, na ampla área do socialismo. Propostas feitas por descendentes de Lenine, Trotsky e Kerensy, como são sempre feitas para melhorar a vida das pessoas, não exigem nenhuma verificação de custos ou de exequibilidade. Qualquer proposta vinda de liberais, conservadores, reformistas ou outros maluquinhos exige, obviamente, duas coisas: um escrutínio sobre o custo para as contas públicas e um nojo evidente na cara do oponente (e de parte dos comentadores), porque, já se sabe, a direita só quer o mal de todos.
Mariana Mortágua, na luzidia e dignificante tradição revolucionária, não tenta sequer disfarçar o asco que lhe provoca conversar com pessoas que não crêem nas vantagens do socialismo revolucionário, e tendo a presumir que não desdenharia a possibilidade de enviar essa gentalha (os descrentes) para campos de concentração idealizados pelo líder espiritual da seita. (Não, caro leitor, não estou a falar de Francisco Louçã, que é um respeitável conselheiro de estado. Não me estrague a vida. Estava a referir-me ao senhor que andou às cambalhotas com a Frida Khalo lá no México, até o Estaline lhe mandar um emissário com uma machadinha).
Desengane-se quem pensa que defendo aqui que os participantes da ala direita se comportaram com mais denodo do que os da ala esquerda. Foi tudo o mesmo circo, com palhaços, trapezistas e malabaristas, elefantes e leões. A minha tese é que perante o mesmo comportamento, os comentadores tendem a apreciar as qualidades desse comportamento em políticos à esquerda e os defeitos nos políticos à direita. Vi comentadores enojados com as interrupções de André Ventura e maravilhados quando Pedro Nuno Santos executou o mesmo gesto técnico.
No fundo, o que os comentadores parecem estar a dizer ao público é: “reparem como é civilizado um esquerdista debater com alguém, mesmo que o esteja sempre a interromper. Sempre é melhor do que mandar prender, enviar para o gulag ou matar o inimigo”. Já para políticos de direita, o preconceito de serem betos choninhas é atirado contra eles: “Onde é que já se viu, uma pessoa tão bem-educada e de boas famílias estar para ali tão agitada. Nas séries inglesas, os ricos são sempre tão fleumáticos”.
Como em jogos de futebol, as claques vêm sempre a sua equipa como a melhor em campo (excepto os sportinguistas, que acham sempre que “jogámos mal” mesmo quando se ganha 8-0). Na verdade, os comentadores não gostam ou desgostam dos acontecimentos durante os debates, mas sim dos intervenientes. Estaria capaz de apostar que, para vários comentadores, um monte de fezes de Pedro Nuno Santos seria sempre mais bem cheiroso do que um bouquet de rosas de Luís Montenegro.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia