No último Fórum Socialismo, organizado pelo Bloco de Esquerda – último no sentido em que foi a edição mais recente, não a terminal – um conhecido comediante propunha a debate «a arma do humor contra a extrema-direita». O humor ser uma arma contra a extrema-direita vai no mesmo sentido em que a cantiga era uma arma, na voz de José Mário Branco, contra a burguesia. Se fossem mesmo armas, ou andam mal afiadas, ou o cartucho está seco.
Na letra de José Mário Branco, tudo dependia da raiva e da pontaria (sim, e da bala e da alegria, eu sei, mas não me distraia com pormenores enquanto estou a tentar fingir um argumento, por favor). No humor, isso seriam provavelmente as piadas e a vontade com que se contam. Como se a qualidade da democracia dependesse de quão boas fossem as graçolas – ou as canções. É mesmo muito provável que a fraca qualidade da democracia portuguesa se deva a José Afonso e Herman José, e não a décadas de corrupção e nepotismos.
O humor ser uma forma de combater o fascismo tem tido historicamente resultados óptimos. Roma, 1922. Berlim, 1933. Madrid, 1936. Em todas elas, os humoristas travaram muito eficazmente a ascensão das ditaduras. Em Portugal, as comédias da era de ouro foram decisivas para o fim do Estado Novo. A memória das piadas de Vasco Santana no “Pátio das Cantigas” foi fundamental para a tomada do quartel do Carmo.
Ou talvez as piadas fossem apenas más, e os comediantes falharam a resistência aos totalitarismos por falta de talento. Combater ditaduras com humor é parecido a resistir à gripe com malabarismos ou reduzir a poluição com cinema japonês. Na verdade, o humor não é para ser uma luta contra nada – nem mesmo contra o tédio.
Vivemos tempos curiosos, em que D. Américo Aguiar se anima a atirar piadas do púlpito e Diogo Faro quer dar sermões à audiência.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia