Fim de ciclo

“Foi com António Costa que finalmente se deram alguns passos para reduzir o poder acéfalo e centralizador de Lisboa e reduzir assimetrias regionais”

1. Quem viu (e ouviu) a grande entrevista de António Costa à TVI na semana passada facilmente conclui sobre a diferença de dimensão e capacidade política do ainda primeiro-ministro para os demais dirigentes partidários.
Poucos dias antes de se conhecer o novo secretário-geral do PS, António Costa exibiu um domínio dos assuntos, um conhecimento da realidade social, política e económica que nenhum outro político contemporâneo tem. Está de saída, mas mais parecia que estava a iniciar mais um mandato. Podemos gostar de António Costa ou não; podemos fazer um balanço positivo ou negativo dos oito anos de governação; podemos concluir que falhou na transformação de Portugal que a maioria absoluta lhe proporcionava, que só identificamos duas ou três reformas do país das muitas que podia ter feito e que não foram atingidos muitos objetivos que se impunham, mas, muito para além das contas certas, da redução da dívida externa ou do crescimento do país o melhor político deste tempo sai de cena. Ou pelo menos deixa de ser o timoneiro. Não sei se vamos ter saudades de Costa, mas não tenhamos dúvidas, ele está muito acima dos demais… Mesmo quando temos de recordar o estado do Serviço Nacional de Saúde, o descontentamento dos médicos, dos professores, dos juízes, dos enfermeiros, etc., das queixas porque pagamos muitos impostos, da inflação, das dificuldades da vida… Do abandono do transporte ferroviário, das trapalhadas com a TAP ou da pouca “obra” que fica…
Num momento em que o ainda primeiro-ministro está de saída, devemos ter a honestidade de fazer um balanço positivo dos oito anos de governação, com muitos erros, “casos e casinhos”, com um assalto do PS à máquina do Estado e muitas decisões incompreensíveis ou escolhas erradas. Mas muitos aspetos positivos, como o aumento do rendimento dos portugueses, em especial os que ganham menos – um aumento histórico do salário mínimo (era de 485 euros em 2014, será de 820 a partir de 1 de janeiro de 2024), o aumento das pensões ou o lançamento da rede de creches públicas (em Portugal é mais caro deixar uma criança nas creches das IPSS’s do que pagar uma propina na universidade!).
Não concretizou a regionalização e houve medidas de desconcentração de serviços em que ficou muito aquém das necessidades, mas foi com António Costa que finalmente se deram alguns passos para reduzir o poder acéfalo e centralizador de Lisboa e reduzir assimetrias regionais. Na Guarda, o Porto Seco e o comando nacional da Unidade de Emergência, Proteção e Socorro da GNR são os projetos de maior relevância e um pouco por todo o país houve essa capacidade de perceber que sem investimento público o interior será um enorme deserto. Ou uma reserva de flora queimada a cada verão…

2. A eleição do novo secretário-geral não foi um passeio triunfante de Pedro Nuno Santos, mas quase. Sem surpresa, o novo líder do PS ganhou de forma inequívoca e tem o PS rendido ao seu pragmatismo. Mas o principal candidato a primeiro-ministro tem de ser muito mais do que o “fazedor” que decide. O discurso de que não podemos «andar a arrastar os pés» fez-nos lembrar a forma como José Sócrates queria decidir depressa e com consequências que todos tristemente recordamos. As expetativas são altas e o PS recuperou rapidamente da convalescença em que podia ter caído depois de tantos “casos e casinhos”, das acusações de corrupção, de corruptelas, amiguismo ou nepotismo partidário – para o que muito tem contribuído a incapacidade da oposição, em especial a forma como o PSD se deixa colar ao discurso radical da Iniciativa Liberal ou do Chega.
“Arrumada” a questão da liderança do PS, as próximas semanas serão de disputa e campanha para as legislativas de 10 de março. Os socialistas partem em vantagem (surpreendentemente) e é o PSD que vai ter de mostrar argumentos para um novo caminho para o país. Encostar Pedro Nuno à esquerda, sem ficar refém da extrema direita, conquistando o centro, é a tarefa difícil de Luís Montenegro (que poderá ganhar três ou quatro deputados se se coligar com o CDS nos distritos onde este ainda tem algumas centenas de eleitores, como Bragança, Vila Real, Viseu ou Guarda).
Na região, Ana Mendes Godinho terá estado mais próxima de José Luís Carneiro, que perdeu, e resta-lhe a Guarda… e Ana Abrunhosa apoiou o novo líder do PS. A primeira deverá liderar a lista do PS na Guarda, a segunda deverá repetir lugar em Castelo Branco.
No PSD, Rui Ventura deverá ser o cabeça-de-lista na Guarda. Vão ser dois meses intensos, nacional e localmente. E os resultados podem determinar escolhas para as candidaturas que se irão começar a perfilar para as autárquicas de 2025.
Feliz Natal para todos os leitores!

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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