Faltava pouco

“Agora que estão no Governo, atrevam-se lá a sugerir que se pode ganhar dinheiro com as necessidades básicas do povo. Ninguém pode lucrar com a sobrevivência das pessoas.”

Quando o leitor estiver a ler esta crónica, nem António Costa nem o Partido Socialista estarão ao leme do Governo de Portugal. É diferente de dizer que os socialistas já não mandam no país, porque esta frase seria mentira, e não é para isso que o leitor viria a esta página.
O leitor entra nestas páginas em busca de sabedoria, de honestidade, de esclarecimento. Felizmente, encontra isso tudo nas óptimas crónicas que rodeiam esta. Se é a primeira vez que lê o Observatório de Ornitorrincos, é provável que seja também a última, porque já não terá o prazer de ler a extrema simpatia que dediquei calorosamente aos vários governos de António Costa. Se costuma ler, sabe que, além das erupções cutâneas em forma de metáforas provocadas pelo ex-grande líder, não encontra aqui sageza nem equilíbrio.
Os socialistas podem deixar São Bento, mas são o vento que traz as modas. Os socialistas é que sabem quais são os assuntos de que podemos falar. Os socialistas é que sabem quais são os ministros que devem governar. Os socialistas é que sabem quais são os verbos que podemos usar. Os socialistas é que sabem os impostos que devemos pagar. O PSD pode governar, se ganhar eleições e o PS não encontrar nenhuma forma de fazer moscambilhas no parlamento, mas governará com a tutela moral da esquerda. O país pode votar à direita quanto quiser, que a esquerda não vai permitir desvios do caminho estatizante.
A democracia pode ser de todos, mas o Estado não é bar aberto. É um restaurante de luxo onde só almoça quem tiver boas maneiras – e ser de direita, ou mesmo de centro, é sinal de muito má educação. Em Portugal, a expressão “políticas públicas” não quer dizer, como no resto do mundo, políticas para promover o bem-estar do conjunto dos cidadãos. Obviamente, se as políticas são públicas não quer dizer que sejam para o público, mas para o sector público do Estado.
Agora que estão no Governo, atrevam-se lá a sugerir que se pode ganhar dinheiro com as necessidades básicas do povo. Ninguém pode lucrar com a sobrevivência das pessoas. O Estado, e só o Estado, é que pode garantir a saúde, a educação e, já agora, a alimentação. Fechem-se as clínicas, os colégios e os hipermercados. Médicos, professores e agricultores deviam ser todos funcionários públicos.
Não se ria, leitor. Este modelo já foi experimentado e deu óptimos resultados. A Lituânia e a Estónia estiveram ocupadas pela URSS durante 50 anos e hoje são mais ricos e mais democráticos do que Portugal. Razão tinha o doutor Cunhal em 1975. Não é com democracias burguesas e parlamentares que isto lá vai.
Estávamos no bom caminho. Já só faltavam 42 anos.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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