Eutanásia

Escrito por Albino Bárbara

A Assembleia da República discute hoje vários projetos com o único denominador comum: a morte assistida.

Analisando a nossa matriz histórica verificamos que tanto gregos como romanos praticavam a eutanásia como procedimento de “boa morte”. O cristianismo transmitiu a ideia que a vida humana é eterna, não deve ser tirada, e o homem deve morrer de forma natural e nunca provocada por outrem. O documento “Iura e Bona” refere mesmo que «esta atitude está em oposição ao desígnio de Deus para com o homem», para logo depois atirar culpas e pecados, chegando alguns a afirmarem que a eutanásia é igualzinha à lei nazi quando esta destruía vidas que não mereciam ser vividas.

O direito à vida é um valor absoluto centrando-se a discussão entre a diferença de matar e deixar morrer, percebendo a igualdade pela morte daqueles que matamos e pelas mortes daqueles que não conseguimos salvar.

Um estudo do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa acerca das “Atitudes Sociais dos Portugueses”, coordenado por Manuel Vilaverde Cabral e Jorge Vala, adianta que mais de 60% dos portugueses têm posições favoráveis à prática da eutanásia, enquanto 35% são contra, e isso leva-nos a perguntar se vale a pena o referendo, pois se o sim vencer os deputados que são contra continuarão a ser contra, enquanto os deputados que são a favor votarão logicamente a favor. Não se vislumbra um único argumento válido para que haja referendo acerca desta matéria em Portugal. O Parlamento português tem inteira legitimidade para votar estes diplomas.

A moral, a ética, a condição humana, a escolha consciente e voluntária do próprio, faz-nos pensar se é melhor ou pior tirar a vida a uma pessoa que solicitou conscientemente a eutanásia ou deixá-la morrer aos poucos quando se sabe que cientificamente não tem qualquer possibilidade de cura, restando-lhe, única e exclusivamente, o sofrimento.
Morrer deixa assim de ser uma questão meramente clínica para se transformar numa decisão pessoal. A vida nem sempre é o tal mar de rosas e tem, infelizmente, no seu percurso os tais altos e baixos, algo inaceitáveis, como sejam a legítima defesa, a guerra, a pena de morte, os acidentes de viação e de trabalho e tantas vezes a morte súbita.

É essencial que este Estado laico deva colocar à disposição dos seus contribuintes uma rede decente de cuidados paliativos, como o fez com testamento vital aprovado pela lei nº 25/2012, onde se manifesta a vontade de receber, ou não, cuidados de saúde e, hoje e agora, o direito a morrer com dignidade. O Estado de direito tem de defender a liberdade individual de cada um, criando condições para respeitar a sua própria e consciente decisão.
Viver, significa ver, ouvir, cheirar, rir, sentir, amar.

Olhemos para alguém da nossa família, nosso amigo, nosso conhecido. Alguém que está ligado a uma máquina anos a fio, que não vê, não ouve, não come, não bebe, não sente e que conscientemente nos transmitiu a ideia de ter uma morte com dignidade. O que devemos fazer? Finalizo, contando a história de um amigo que já partiu e que poderá ser a história de outros tantos:

Portador de um carcinoma. Depois de operado e tratado, a ciência revelou-se impotente. Internado nos cuidados paliativos, em fase terminal, tinha convulsões permanentes, dores incalculáveis, sendo-lhe injetado num braço um soro para lhe prolongar a vida, enquanto que no outro lhe era ministrado morfina quanto baste. Fiquemos por aqui…
Esta matéria não é política. Não é de direita, de centro ou de esquerda, ou dos médicos, ou das igrejas. Seguindo o princípio “é proibido proibir” e logo após a decisão política da Assembleia da República, cabe-me a mim tomar a minha própria decisão, não precisando dos conselhos ecuménicos de todos quantos pensam ser donos e senhores da vida e da verdade, para apenas lhes dizer que as decisões pessoais pensadas, coerentes e conscientes são as únicas responsáveis pelos meus atos. É que a minha liberdade começa onde a dos outros acaba.

Sobre o autor

Albino Bárbara

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