Eulogia à vida: a rendição condicional ao pessimismo de Schopenhauer

Escrito por Pedro Fonseca

“Através dos seres humanos, a matéria atingiu um estado de desenvolvimento tal que lhe é possível questionar e investigar a sua própria origem e de lhe atribuir sentido. “

Num dos melhores elogios de que há registo, Alfred Whitehead afirmou que toda a filosofia ocidental se resume a notas de rodapé a Platão. Se passarmos do domínio das ideias gerais para o das ideias conclusivas, talvez tenha chegado o momento de alguém acrescentar que todas as correntes filosóficas se resumem a preâmbulos do pessimismo de Arthur Schopenhauer.
Mesmo admitindo a hipótese de haver ou de ter havido vida noutras paragens, a sua existência é a exceção neste vasto universo. Em linha com a perspetiva cósmica celebrizada pelo saudoso guia turístico do cosmos, Carl Sagan, esta excecionalidade torna ainda mais difícil de entender porque é que os seres humanos se entregam com tanta frequência a práticas cruéis e geradoras de sofrimento.
Mas os níveis de crueldade e sofrimento não são exclusivos da espécie humana. A ciência de Charles Darwin confirmou o que a filosofia de Schopenhauer já anunciara: a crueldade e o sofrimento são a regra no Mundo Vivo, sobrepondo-se de forma avassaladora aos raros e efémeros momentos de prazer.
O aparecimento da vida veio perturbar o longo reinado universal da não existência. Mas daqui a 5 biliões de anos a normalidade será reposta: o sol transformar-se-á numa gigante vermelha e engolirá a Terra e tudo o que nela subsistir. Tudo será perdido. De nada restará sequer história ou memória, nem mesmo das civilizações mais imponentes e esplendorosas ou dos feitos daqueles que por obras valorosas se foram da lei da morte libertando.
Se o mundo é sofredor e está condenado a um dia desaparecer sem deixar qualquer vestígio, então todo o palco parece ter sido criado com o objetivo único de acolher o pessimismo de Schopenhauer: «Este é o pior de todos os mundos possíveis. Seria melhor se não houvesse nada!».
Perante um cenário tão desolador, temos todos os motivos para nos sentirmos resignados. Mas é precisamente na capacidade de refletir sobre o nosso lugar no cosmos e sobre o sentido da vida que reside a nossa condição singular.
Através dos seres humanos, a matéria atingiu um estado de desenvolvimento tal que lhe é possível questionar e investigar a sua própria origem e de lhe atribuir sentido. Mais do que buracos negros, supernovas e outros fenómenos quase fantasmagóricos que ocorrem no espaço, este será o feito mais extraordinário que alguma vez se registou no Universo.
Tão extraordinário que é capaz de nos distrair, mesmo que apenas temporariamente, do caminho que conduz à rendição incondicional ao pessimismo de Schopenhauer.

pedrorgfonseca@gmail.com

* Historiador e ex-vereador da Câmara da Guarda

Sobre o autor

Pedro Fonseca

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