O sol da tarde fazia reluzir o empedrado das ruas como a querer alisar-lhe o tempo em suores estivais. Indiferentes, os pés dos turistas calcorreavam-nas ao acaso ouvindo os Madre de Deus de dentro de um bar para, logo a seguir, acertarem a pisada com os sons flamengos que fugiam de dentro de outro. No meio do terreiro, atapetado a pedras soltas que se adivinhava só não estarem a fugir dali por não conseguirem desenvencilhar-se das próprias raízes, a pequena porta do castelo, quase demasiado aprumado para ser autêntico, convidava a frescos de sombras interiores e cavernosas escadarias onde os visitantes, evitando maior proximidade, se cruzavam apenas nos patamares. Ora perseguida, ora perseguindo, por companhia de visita calhou-me um grupo de três jovens britânicos muito zelosos da sua privacidade, que é como quem diz, da sua saúde. Cautelosos, pouco crentes na proteção das máscaras que nunca tiraram, esperavam que as salas do museu militar se esvaziassem para depois entrar. De tão óbvios, os maneirismos daqueles três competiam na minha atenção com as pistolas, espadas e armaduras das vitrines, mas não notei que tivessem dado por isso. Entre uma quase arrelia e uma grande curiosidade, em jeito de quem aprecia a paisagem, o que nem era totalmente forjado, detive-me um pouco mais numa das torres só para os ver esperar, um bocadinho, no patamar inferior. O que, estoicamente, fizeram. Perante tal vontade, evidenciada pelo não dar mostras de querer desistir de qualquer ameia, não tive mais, nem boas, do que descer e, meio frustrada por não os ter conseguido enxotar, ceder-lhes a posição na sacada.
Rememorando este e outros episódios da visita, enquanto descia os desnivelados degraus de pedra, lembrei-me das armas expostas no Museu da Guarda, no tempo da minha infância, e de há muito não as ver. Mais tarde, nesse dia, haveria de voltar a pensar nelas por achar que também haveriam de fazer boa figura na nossa Torre de Menagem, e na falta que um castelo nos faz. O que me fez esquecer os jovens britânicos, mas não a maldadezinha de os pôr de plantão à minha espera que não consegui evitar. Fiz todo o caminho até à fortaleza seguinte a perguntar-me se será o castelo que nos falta, para atrair gente de fora, ou se não será este nosso feitio, arrevesado, que a espanta daqui para fora. Fosse pelo que fosse, senti saudades do nosso futuro, das nossas esplanadas cheias de turistas, da nossa história que, tal como as armas do museu, há décadas acho escondida. Tão escondida que, se não fosse pelos emergentes vinhos, a (anti)arte urbana das rotundas e esquinas, feiras, tradições natalícias e carnavalescas, recentemente imigradas de algumas freguesias, quase acreditaria que esta cidade ainda nem nasceu. O que, não sendo verdade, revela muito mais da nossa avançada ausência de autoestima do que do orgulho em sermos cidadãos desta velha urbe onde vamos desfilando o feitio arrevesado com que, à falta de forasteiros, nos vamos enxotando uns aos outros.