Recentemente, aquando das eleições legislativas de 2019 e da nova possibilidade que finalmente se abriu para o voto antecipado fora de uma restritiva lista de exceções, procurei apurar se uma familiar minha, possuidora de um “atestado médico de incapacidade multiuso” estaria em condições de expressar, por via postal, o seu direito de voto.
Pois bem: não estava. Embora esteja em condições mentais de relativa autonomia, fisicamente tem grandes dificuldades em se deslocar e, como tantos outros dos milhares de cidadãos e eleitores nessa situação não pode exercer normalmente o seu Direito de Voto. Por isso, foi lançada este domingo esta petição (em https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=votopostalalargado) que foi apresentada em reuniões com grupos parlamentares esta quarta-feira e cujo texto transcrevo:
«Sabemos que mais de um milhão e 300 mil portugueses têm alguma forma de incapacidade ou deficiência e que – apesar da dificuldade em obter um destes atestados – muitos milhares de portugueses têm um destes atestados. A lista de direitos que se obtêm com este atestado médico de incapacidade multiuso, ou seja, através de um documento que comprova que a pessoa tem uma incapacidade (física ou outra) é relativamente extensa e garante a quem tem mais de 60% de incapacidade benefícios na aquisição de viatura própria, isenção ao imposto único de circulação, cartão de estacionamento, benefícios na aquisição, arrendamento ou construção de habitação, ajudas técnicas, isenção a taxas moderadoras, prioridade no atendimento, incentivos no emprego, benefícios fiscais no IRS mas… Nenhuma proteção na área da cidadania ou da participação política e eleitoral.
Na prática isto traduz-se numa exclusão de um Direito de Cidadania e à Participação Política e num contexto de abstenção crónica e que – com pequenas variações – não cessa de se agravar em Portugal que começou por ser de apenas 8,5% em 1975 mas que em 2015 já ultrapassava os 44% (dados da Pordata). Importa assim abrir novas portas à participação eleitoral, continuar a promover a participação ativa de todos os cidadãos que desejam manter esta atividade e que a podem usar até como forma de presença e afirmação pessoal através do exercício de uma Liberdade e Direito que não foi obtida de forma fácil, sem luta nem dificuldades. Importa desenvolver o chamado “voto de em mobilidade” que permite que os eleitores, recenseados em território nacional e que pretendem exercer antecipadamente o seu direito de voto a requerer o mesmo por Requerimento Eletrónico e a partir da possibilidade (já em vigor) de os eleitores doentes em internamento hospitalar e que, por essa razão, estão impedidos de se deslocarem até às mesas de voto no dia das eleições alargar essa capacidade também aos detentores de atestados médicos de incapacidade multiuso e permitir assim que esses cidadãos possam exercer o seu direito de voto antecipado e por via postal. Esta extensão de direitos deveria passar pela revisão do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro e na prática iria traduzir-se numa fácil e ligeira alteração do processo eleitoral através do envio pelo Ministério da Administração Interna de um boletim de voto para a morada indicada no caderno de recenseamento juntamente com dois envelopes a devolver ao Ministério e a enviar antes do dia da eleição.
A adição da capacidade de voto antecipado por via postal aos cidadãos com atestados multiuso seria uma forma de de combater a abstenção e a exclusão de muitos milhares de cidadãos (muitos deles idosos e no pleno exercício das suas faculdades mentais) e poderia servir para reforçar a legitimidade da nossa democracia.
É igualmente preciso avaliar a extensão a todos os eleitores a capacidade para expressarem o seu direito de voto por via postal e permitir que além de enviarem o seu voto por via postal o possam também fazer em centros de votação antecipada ou em “caixas postais” a instalar, por exemplo, nas autarquias locais. É preciso ter em conta que o Voto Postal não é nenhuma aventura experimentalista nunca antes ensaiada. Nos EUA há eleições locais onde o voto postal é a única forma de voto e o método foi usado pela primeira vez na Austrália – uma das democracias consolidadas mais antigas do mundo – em 1877 e alargado na Austrália do Sul a partir de 1890. Como qualquer outro método de voto, o voto postal não é imune a fraudes e estas foram amplamente noticiadas no Reino Unido em 2004 mas não existem sistemas imunes a falhas nem sistemas que não podem, sempre, ser melhorados, quer através da adição de sistemas de autenticação cruzada (por exemplo através do envio de um PIN por SMS com uma referência numérica única para o seu voto e presente no rosto da carta com o boletim de voto).
Em particular, em Portugal, devemos considerar o sistema norte-americano de “voto em ausência” em vigor na maioria dos Estados dos EUA e que permitem o Voto Postal antecipado a todos os que preferirem usar esta forma de voto e que possibilita, de forma alargada, mas sem a apresentação ou aprovação de uma motivação concreta votar antecipadamente por via postal. Numa minoria de Estados há que justificar esse voto antecipado em casos de condição de saúde reduzida, em viagem, trabalham ou estudam no estrangeiro ou longe do seu local habitual de voto. Este modo continua a ser mais extenso que o português (que o permite apenas para quem se encontre hospitalizado) mas é um ponto intermédio entre o sistema luso, mais restritivo, e o mais comum nos EUA, que é bastante extensivo».
Rui Martins, Lisboa