A realidade é composta de tantas realidades ínfimas que forma uma estrutura desonesta. Desonesta, porque coloca crenças e utopias como espaços vazios onde se enterram sabedorias e certezas. As certezas são agora um microclima de hipóteses. As certezas diluem-se na dinâmica veloz que altera pilares do passado. Há uma voracidade nas redes sociais, uma boçalidade nas opiniões, uma desonestidade fanática nas apreciações quer do outro, quer dos factos visualizados. A interpretação de um gesto pode gerar um tornado ideológico. Realmente há uma busca pela hipérbole do mínimo, pela vulcanização do trivial. Isto é normal nas sociedades que discutem futebol, ou falam de rusgas policiais, ou insultam-se por estarem na lista de espera. A simplicidade veio substituir a eloquência, apagar a importância da experiência. Simplificamos construindo normas, encaminhamentos, regras de facilitar orientação e uniformizar decisões. A realidade infelizmente é múltipla, é composta de energias, de histórico, dependente do realizador ou avaliador. Deste modo, há desonestas sequências na tentativa igualitária daquilo que é sempre diferente. A realidade é composta de inúmeras realidades, como a decomposição gramatical de uma frase. O verbo não é substantivo, e este não é preposição, mas não há frases só de substantivos ou apenas de um verbo. Assim, construímos interpretações maléficas da realidade por falta de ponderação analítica e ausência de pudor com as consequências. Por vezes apetece desistir.