Muitas vezes, sentados os dois no eirado sobre o rio, Pedro lia a Inês as trovas do avô [D. Dinis] (…). confessava que só lhes descobrira o segredo quando a começara a amar (…). – Senhores, não vos admireis de ver aqui D. Pedro tão sensível à poesia (…)
AFONSO LOPES VIEIRA, ‘A paixão de Pedro o cru’, 1943
no verde pino as flores da viagem avoenga
as palavras ensinam a regressar à pele
dos amantes que as embalam e saboreiam
com o infinito dinis a empoar o horizonte
de cantigas íntimas e outras murmuradas
pelas águas semi-adormecidas do mondego
mas sabendo de cor os versos que terçam glórias
e os que choram e os que guardam segredos
e os que embateram contra os muros da cerca do paço
de santa clara onde repousam os vestígios da passagem
das ladainhas de uma avó santa mas que desconhecia
o idioma dos pássaros e a linguagem das flores
do verde prado e por isso não havia maneira
de encontrar mensageiros
que trouxessem novas de todos os amigos
e amados desavindos desencontrados condenados
pela distância e pela instrução canónica
caligrafada ante a explanação de um teorema
tangível quantificado provado e até demonstrado: m
as não deixa reler e saber de cor – como as águas ~
suspensas no seu semi-sono – as trovas que sulcou
um dia o estro do avô dinis – o lavrador.
JOÃO MENDES ROSA
in ‘Cartas Apócrifas de Pedro a Inês’, inédito, 2019