Por um dia, a Guarda é a “capital” da Península Ibérica. Não lhe servirá de muito, mas contribui para elevar a autoestima. Por um dia!
Como em 1976, quando a Guarda recebeu a primeira cimeira entre os dois estados ibéricos, naquele 12 de fevereiro que ficou conhecida como a cimeira do “espírito da Guarda”; 24 anos depois, os focos são outros, mas determinantes para desencravar a Raia.
Pedro Sánchez, acossado, deixou para trás uma capital espanhola a ferro-e-fogo, entre o “estado de alarme” sanitário e uma guerra política e jurídica intensa com Isabel Ayuso, a presidente Popular da Comunidade de Madrid. E depois de um dia ruidoso em Barcelona, onde acompanhou um Felipe VI cada vez mais contestado, numa Catalunha onde se clama pela independência e se grita “no temos rei”. Chegou à Guarda, para um prometido dia tranquilo com o seu camarada António Costa. O nevoeiro intenso impediu o helicóptero de aterrar no Estádio Municipal e foi Aldeia Viçosa a receber o chefe da comitiva espanhola, mas o sol apareceu depois para dar luz e brilho a um dia importante para a cidade, a região transfronteiriça e os dois países da Península Ibérica.
Dez ministros espanhóis e oito portugueses para aproximarem os dois estados e promoverem o desenvolvimento da região mais pobre da Europa: a Raia, dos dois lados da fronteira. A importância do encontro para os espanhóis é reconhecida pela presença do Presidente do Governo, mas também pelos dois primeiros vices, a vice-presidente primeira, Carmen Calvo, e o vice-presidente segundo e ministro dos Direitos Sociais e Agenda 2030, Pablo Iglesias (líder do Unidas Podemos, o sucedâneo dos comunistas espanhóis).
A ligação entre Bragança e Puebla de Sanabria, que finalmente vai ser uma realidade e permitir que a capital transmontana fique ligada à Europa por comboio de alta velocidade, ou o troço de Moraleja a Monfortinho são os pontos de partida para uma aproximação viária que há muito as populações reclamam. Mas é na saúde, com o reforço da eficácia do 112 ou a possibilidade de um cidadão da Raia poder ser socorrido ou tratado na unidade de saúde que esteja mais próximo de qualquer dos lados da fronteira, que podem mudar o dia-a-dia dos raianos após esta cimeira. A criação de um documento único de circulação para padronizar a passagem de menores na fronteira, a institucionalização da figura do trabalhador transfronteiriço (uma realidade tão efetiva e só agora reconhecida) ou o lançamento de uma rede de escolas bilingues na Raia são outras das medidas desenhadas pela ministra Ana Abrunhosa e a sua secretária de Estado Isabel Ferreira para serem implementadas a partir de hoje.
Mas será na economia que todos mais esperam desta cimeira.
António Costa e Pedro Sánchez terão na “bazuca” europeia muito dinheiro para acrescentarem investimento nos respetivos países e é conveniente que se lembrem que não bastam medidas óbvias e simples, maquilhagem da triste realidade raiana, são necessárias medidas estruturantes e investimentos sustentáveis que permitam um futuro coletivo para as populações transfronteiriças. Espanha vai receber a fundo perdido 72 mil milhões e Portugal 12 mil milhões, infelizmente hoje, da “bazuca”, não ficou comprometido um tostão para esta região. Ficam garantidos 100 quilómetros de estradas há muito cabimentadas e pouco mais. “A cimeira correu bem pá”, mas a Raia continua a ser a região mais pobre da Europa!