Cor de burro a fugir

Escrito por Albino Bárbara

«A ética não é nem pode ser confundida com a lei, os arranjos políticos ou mesmo com a moral»

Quando o burro foge há um pequeno problema e a solução é só uma: encontrá-lo. Problema, problema, é perceber qual a cor do burro a fugir. Pois bem, burrus em latim significa avermelhado e a expressão popular tem a ver com a roupagem de quem veste indumentária vermelha.

Diz-se que a vingança serve-se fria. É por isso que demora o seu tempo. No entanto, há vingança e vingança e, nem mesmo fria, a oportunidade pode dar lugar a precipitações que podem trazer repercussões futuras ao serem escolhidos determinados parceiros para ajudar a aplicar a virtude da desforra, tornando-se absolutamente necessária, em toda e qualquer circunstância, a moderação onde está implícito a inteligência para poder castigar.

Abril de 1974. Francisco Sá Carneiro, Magalhães Mota e Francisco Pinto Balsemão perceberam que tinham de preencher o espaço político que englobava múltiplos sectores da direita e o já ocupado pelo Partido Socialista. Daí terem optado pela criação de um partido laranja e pelo símbolo (três setas eram farpas conta o nazismo, o comunismo e a monarquia) utilizado pela resistência para danificar o efeito da cruz gamada, o que dava todas as garantias de equidistância ao conservadorismo reacionário e à inspiração marxista. Resultou assim um partido republicano, semi-liberal, com características social-democratas, o que fez com que, quase de imediato, os seus fundadores trocassem o nome de PPD por PSD, pois a motivação era ser poder e governar, solicitando o seu reconhecimento internacional na maior família política, que alberga os partidos socialistas e social-democratas, contando com a sistemática oposição de Mário Soares, na altura vice-presidente da Internacional Socialista. O PSD ainda hoje está agrupado numa família esquisita, sentando-se numa bancada de conservadores, reacionários e direitinhas europeus.

Nestes 46 anos de vida, o PPD/PSD teve altos e baixos. Ganhou tudo o que havia para ganhar e perdeu tudo o que havia para perder. Com a ajuda dos socialistas conseguiu eleger o pior Presidente da República do pós 25 de Abril, mantendo assim inúmeras fações, clientelas, baronatos e quintarolas, como é comum a qualquer partido de poder.

Todos conhecemos a história recente. A geringonça (soma de assentos parlamentares à esquerda) conseguiu governar. O PSD, que entretanto tinha ganho as eleições (e sem capacidade numérica para ter maioria absoluta), nunca perdoou e, na primeira oportunidade, conseguiu a sua vingança num precedente que se revela extremamente perigoso ao aliar-se a um partido antissistema que se aproveita do sistema para chegar ao poder do sistema, com a conivência de um partido do sistema que, na sua louca vingança, defende o vale tudo. Não nos podemos esquecer que quem faz um cesto faz um cento e, já agora, devemos dar uma vista de olhos para verificarmos com quem o laranjal se coligou, parecendo mesmo ir a reboque:

Supressão da lei da paridade; Revogação da lei de igualdade de género; Reforma das leis de adoção por casais gay; Introdução no Código Penal da castração química; Introdução da prisão perpétua; Retirada de qualquer privilégio aos presos; Existência de uma única polícia; Implementação do serviço cívico para todos os jovens entre os 14 e os 18 anos; Deportação de todos os emigrantes ilegais; Proibição de barrigas de aluguer, do aborto, da eutanásia, do casamento entre pessoas do mesmo sexo e términus das orientações da ONU relativas a questões de identidade de género; Fim da disciplina de Cidadania; Supressão de qualquer tipo de financiamento a organismos feministas; Sistema educativo baseado, apenas e tão só, nos valores judaico-cristãos; Transferência da embaixada de Portugal em Israel para Jerusalém; Promoção da gestão privada nos hospitais públicos; Acabar com a requisição de trabalhadores para exercerem atividade sindical; Propor uma nova Constituição a fim de ser feita a presidencialização do regime onde os deputados ficam reduzidos a 100, acabando com os círculos que tenham menos de 4 deputados; etc. etc. etc.

A História não mente. Em 1932, Hitler ganha as eleições e, em janeiro de 33, era dono, senhor e rei da Alemanha. O resto nós sabemos…

Os Açores tinham de ter um “eiro”. Fosse Cordeiro ou Bolieiro. Tenho convicta certeza que tanto um como outro respeitam o valor da liberdade e da democracia. O que verdadeiramente me espanta são os resquícios sebastianistas do líder do PSD, que navega à vista, entre a direita de Costa e a esquerda onde tantas vezes se encosta, falta-lhe discurso, consistência política e respeito pela história do seu próprio partido e pela democracia portuguesa. Em política não vale tudo. Curioso é que podia haver no quadro constitucional uma série de outras soluções que não foram tidas em conta por parte do Presidente da República. Até a convocação de novo ato eleitoral. O facto é que Rio preferiu chegar ao poder açoriano a qualquer preço, por mero sentimento de vingança, vendendo a alma ao demónio, negociando com o escarro que a democracia criou. A título de exemplo verifiquemos o que aconteceu na vizinha Espanha.
A ética não é nem pode ser confundida com a lei, os arranjos políticos ou mesmo com a moral.

A ética responsabiliza cada indivíduo pelas escolhas que efetivamente faz, sendo a firmeza da convicção fator decisivo. O povo, na sua sabia sabedoria, afirma: “Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”. Sá Carneiro tinha inteira razão: «A política sem riscos é uma chatice. Sem ética é uma vergonha».

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Albino Bárbara

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