Confinar ou não

«Quando o país precisa de lideranças e políticos responsáveis e assertivos, com capacidade de procurar consensos e soluções para fazer frente à maior crise das nossas vidas na Assembleia da República discute-se o acessório»

Aqui ao lado, em Espanha, foi decretado o estado de alarme por seis meses, por causa do novo coronavírus. Em Portugal, o governo decidiu «elevar o nível de alerta da situação de contingência para estado de emergência em todo o território nacional», por causa da pandemia da Covid-19. E o Presidente da República avisou que o Natal deste ano será «diferente» do de outros anos.

Desde março que vivemos na incerteza e com medo a um vírus que nos dilacerou o modo de vida. Com o número de infetados em crescimento exponencial por toda a Europa, e sem capacidade de suster o surto pandémico, sem vacina e com os sistemas de saúde a rebentarem pelas costuras, os próximos meses serão dramáticos também em Portugal. O inverno vai ser longo.

Ainda que alguns maluquinhos gostem de sair à rua a dizer que isto é uma invenção das multinacionais ou uma gripezita – e não é apenas Trump ou Bolsonaro –, a verdade é que a pandemia veio para ficar por muitos meses, mata os mais velhos (que alguns parece não quererem vivos), os doentes crónicos e até os mais saudáveis. Voltar à normalidade, ou à “nova normalidade”, não é fácil e vai demorar muito mais do que o previsto. Face ao aumento exponencial de infetados, para combater a pandemia teremos de aceitar as diferentes medidas de confinamento. Temos de procurar os caminhos que permitam manter a vida económica e social, mas com os cuidados sanitários e de higienização redobrados e que evitem a propagação do novo coronavírus – vai ser muito difícil manter este equilíbrio. É por isso que o confinamento por territórios tem de ser aceite, não como forma de cercear a liberdade, mas como recurso de saúde pública pela vida e a qualidade dos serviços de saúde – os hospitais não aguentarão uma espiral de infetados mais alta e os estudos apontam para a duplicação de infetados nas próximas semanas. Por isso, a tradicional visita aos cemitérios, a homenagem aos familiares falecidos, este ano tem de ser adiada ou mais distante. Muito para além da proibição de deslocações entre concelhos, tem de haver o maior cuidado e distanciamento em todos os movimentos e saídas.

Confrontados com as dificuldades de contexto que se adivinham cada vez mais sombrias, o encerramento das fronteiras volta a ter que ser equacionado, pois, em Espanha, a pandemia está descontrolada. Com o confinamento em várias cidades espanholas, nomeadamente nas vizinhas castelhanas, com o recolher obrigatório em muitas delas (sendo proibido sair à rua durante a noite), as fronteiras não podem continuar escancaradas… Para podermos manter alguma vida económica e social, temos de controlar de novo as entradas e saídas na fronteira…

Perante a situação de pandemia, o Bloco de Esquerda deu um exemplo de irresponsabilidade na Assembleia da República. Depois de cinco anos a votar favoravelmente orçamentos socialistas “normais”, vai votar contra no ano em que vivemos uma crise profunda e de consequências ainda desconhecidas. O comportamento dos deputados do Bloco é o de garotos mimados na escola ou dos rebeldes da associação de estudantes, mas não de deputados com noção das responsabilidades. Compreende-se a estratégia: voltar a ocupar o espaço da crítica política sem compromissos com a governação. Depois de cinco anos a influenciar as decisões do governo, o Bloco quer estar livre de compromissos para sair à rua, promover a gritaria e fazer oposição populista. Quando o país precisa de lideranças e políticos responsáveis e assertivos, com capacidade de procurar consensos e soluções para fazer frente à maior crise das nossas vidas, vimos como na Assembleia da República se discute o acessório. A incongruência bloquista é uma metáfora da sua própria existência.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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