Coisas de Natal

Escrito por Fidélia Pissarra

“Por estes dias, o importante, mesmo, será não deixar de concretizar qualquer dos intuitos com que os iniciamos. Até porque, por mais mal alinhavados que os achemos, bem se sabe o que qualquer “Feliz Natal e bom Ano Novo” aconchega. Nem que seja de fugida.”

Os dias, geralmente, começam com intenções alinhavadas ao tentar dormir. Claro que na pressa de adormecer, muitas vezes, os alinhavos mal seguram as ideias que compõem as intenções, mas o que conta é mesmo o acabamento. No caso, a intenção. Depois de decidir qual será a primeira, que nestas coisas, como nas outras todas, há que priorizar, parte-se então para o intento de a concretizar. Às vezes aquilo sai mais complicado do que o que inicialmente se julgou e lá tem que se relegar a boa daquela primeira intenção para segundo ou terceiro plano. É, mais ou menos, assim que não se deixa de fumar, não se marca aquela consulta, nem nunca se chega a ligar àquele familiar, ou amigo de escola, que tem andado adoentado. Contudo, há dias em que as intenções, por mais que as descuidemos, não nos deixam em paz enquanto as não tentarmos materializar. Será, possivelmente, o caso das destes dias que antecedem o Natal, em que algo nos impele a querer lembrar dos outros e a mostrar-lho. Por isso é que em dias de época natalícia, quase sempre, nos dá para sair mais de casa, sorrir e conversar mais: “se não te voltar a ver, desejo-te feliz Natal e um próspero Ano Novo”.
Por vezes, nesta nossa azáfama de parecer querer reencontrar afetos perdidos, acontece dar-nos até para falar com quem já nem costumamos cumprimentar e para visitar lojas onde há muito não entrávamos. Depois, ao lembrar que um dia deixámos de querer conhecer aquela pessoa, a quem, por qualquer pueril razão, não falamos desde a quarta classe, damos por nós atónitos com o juízo que, logo nessa altura, nos incitou a deportá-la para o universo dos esquecidos. Afinal, sempre houve gente com quem a gente não se entende. Então, ao recordar que nunca nada naquela loja nos entusiasmou, damos por nós perplexos com a constância de certas coisas. Afinal, a fraca luz da lâmpada fluorescente continua a não chegar para ali fazer luzir o que quer que seja e a atitude do dono continua tão antipática como sempre foi. No fim, destas e de outras parecidas, acaba por nos valer o aconchego do espírito da época e a certeza de que daqui a quinze dias já ninguém se lembrará, outra vez, de nada disto.
Enquanto sim e não, ainda que sem perceber muito bem como o conseguimos, lá arranjamos energias, dinheiro e paciência para comprar muita comida, embrulhar muitas prendas e participar em muitos jantares de Natal. Claro que nem a comida, nem as prendas ou os jantares, nos devolverão a infância ou permitirão, sequer, fazer as pazes com quem decidimos quedar, irremediavelmente, zangados, mas lá que ajudam a passar pela época, ajudam. Pelo menos, ainda que correndo o risco de também nos depararmos com os morcões da nossa primária, ou com os das lojas velhas das esquinas, sempre nos obrigam a sair, a sorrir e a falar muito com toda a gente. Por estes dias, o importante, mesmo, será não deixar de concretizar qualquer dos intuitos com que os iniciamos. Até porque, por mais mal alinhavados que os achemos, bem se sabe o que qualquer “Feliz Natal e bom Ano Novo” aconchega. Nem que seja de fugida.

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Fidélia Pissarra

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