Myanmar, antiga Birmânia, com mais de 50 milhões de almas, é hoje o 32º país mais pobre da Ásia, o 108º do mundo e, pela leitura do relatório da Transparência Internacional, o 136º mais corrupto. Assim, não admira que uma em quatro famílias viva abaixo do limiar da pobreza e um terço das crianças sofra de desnutrição.
No outro lado da barricada observamos um país rico em recursos naturais, abundam grandes fortunas, muitas delas provenientes de venda de pedras preciosas, madeira, droga e a inevitável lavagem de dinheiro.
Na Birmânia as minorias éticas marcam presença. Descendentes de tribos mongóis desde o século VII, a unificação foi feita em 1054 com a fundação da dinastia Pagan. A história diz-nos que as ocupações foram o prato do dia. Em 1287 foi a invasão mongol, reunificando-se em 1752, para no século XIX o império britânico anexar o país à colónia da Índia. Na 2ª grande guerra é ocupada pelo Japão, recuperando a independência em 1948. Em 1962, um golpe militar institui a ditadura. Desentendimentos entre militares, em 1988, levam o general Saw Maung a tomar o poder, alterando o nome do país. Em 1990 a oposição vence as eleições.
Os militares impedem qualquer atividade política. Em 2008 a Junta faz uma Constituição sem, contudo, estar presente qualquer elemento da oposição, determinando que 25% dos lugares no parlamento são para militares, cativando permanentemente os ministérios do Interior, Defesa e Fronteiras. Estabelece também que nenhum candidato a presidente ou a outro qualquer cargo do Estado poderia viver ou ser legalmente casado com pessoa de outra nacionalidade, o que fez com que Aung San Suu Kyi, líder da oposição, não se pudesse candidatar pois tinha sido casada com Michael Aris, professor britânico, especialista em questões budistas e do Tibete. Ainda hoje o lugar de primeiro-ministro, que até há dois meses era ocupado por Suu Kyi, tem o pomposo nome de conselheiro.
Em setembro de 2007, com o apoio dos monges budistas e sob o pretexto de aumentos de 100% nos combustíveis e 500% do gás natural, uma das suas riquezas, a consciência dos birmaneses despertou e, em 2015, Aung Suu Kyi, galardoada em 1990 com o prémio Sakarov e no ano seguinte com o Nobel da Paz, foi eleita, assumindo a gestão do país.
Foram quase 50 anos de governos militares, onde a mão de ferro imperou e nem as sansões internacionais os fizeram demover, pois o general Than Shwe (se Hitler era pintor, este era carteiro) contou sempre com o apoio da Tailândia e da China, não permitindo à líder da oposição e vencedora das eleições, com mais de 80% dos votos expressos, assumir o poder estando apenas permitidas visitas médicas, ouvir rádio em onda curta e a ausência completa de quaisquer visitas, nem dos próprios filhos, sendo considerada um símbolo vivo de extraordinária coragem, de tolerância e de não-violência.
Em novembro passado, Suu Kyi, ganha novamente as eleições. Os golpistas de sempre, apoiados pela Constituição de 2008, que se mantem em vigor, prendem a conselheira e todos os dirigentes do país, acusando-os de fraude eleitoral, obtendo apenas apoio político da minoria muçulmana Rohingya, entretanto expulsa do país. Por este motivo, Suu Kyi, está a ser investigada pelo Tribunal Penal Internacional, acusada de genocídio, mesmo percebendo que o seu governo não trouxe, nem de perto nem de longe, as reformas e a democraticidade que eram, obviamente, exigidas. A história birmanesa é mesmo um caso de estudo para as instâncias e agências internacionais.
Todos os observadores enviados para supervisionarem as eleições admitem não haver qualquer fraude e o resultado alcançado apenas demonstra que os militares, estariam à espera, mais uma vez, da oportunidade do desfecho eleitoral para darem o golpe do baú, pois nos últimos cinco anos houve uma ténue contestação aos enormes interesses instalados, sendo isso, mais que suficiente para ser imposto um ano inteiro de estado de emergência.
Agora é certo e seguro que irão regressar prisões indiscriminadas, tortura e, se calhar, após a conclusão de todos os julgamentos fictícios, execuções arbitrárias, e nem os apelos da ONU, do Parlamento Europeu e das organizações humanitárias conseguirão dissuadi-los. Os processos da negociata escura asiática que envolvem o vil metal falam muito alto. Afinal, e ao que parece, tudo regressa à estaca zero. Também aqui Marx tinha razão: «A história repete-se. A primeira vez como tragédia. A segunda como farsa».