Ano novo, vidas velhas

Escrito por ointerior

Após a leitura desta coluna a semana passada, alguns leitores com tendências mais esquerdizantes (se é que ainda restam alguns) poderão ter salivado com uma putativa aproximação das minhas ideias sobre rusgas policiais ao discurso de bloquistas e socialistas sobre segurança.
Não exultem assim tanto. Não se trata do vosso progressismo que quer que o Estado trate de tudo menos da segurança da vida e da propriedade das pessoas, porque vos dá mais jeito para a vossa revoluçãozinha. A crónica da semana passada nasce de uma pulsão libertária que vocês, assumidamente, não têm. Se agora protestam contra uma acção policial que me pareceu exagerada, ainda me lembro bem dos aplausos que vos mereciam as intervenções policiais no tempo dos confinamentos da pandemia, fosse a obrigar velhinhas a enfiarem-se em casa, fosse a impedir pessoas de andar na rua, fosse, enfim, a multar trabalhadores que não encontravam melhor sítio para o seu almoço do que o seu próprio automóvel.
Quem agora diz que a acção do Martim Moniz é uma violação da autonomia dos corpos não pensou nisso quando quis que as vacinas contra o Covid fossem obrigatórias até para as crianças. Quem fala agora de coacção contra pessoas que não possuem passaporte português, exultou nesses anos com as limitações impostas a todas as pessoas que não possuíssem um passaporte sanitário. Quem agora grita contra a discriminação racial, em 2020/21 gritava de satisfação pela discriminação sanitária.
Não me esquecerei tão cedo que o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, que propusera no Parlamento legislação para legitimar “medicinas alternativas”, escreveu, por essa altura, um artigo a apelar ao respeito pela Ciência – e pasme-se – pelo trabalho das grandes farmacêuticas. Como sempre se soube, para os revolucionários que querem destruir os alicerces desta sociedade ocidental, desde que sirvam para controlar os indivíduos, até o positivismo e o grande capital são bem recebidos.
É por isso que não acredito que os discursos sobre violência policial ou o aborto ou a eutanásia sirvam efectivamente a liberdade dos corpos que afirmam defender. Não é a liberdade que vos move, é a revolução. E as revoluções precisam sempre das suas vítimas. E como se viu durante a pandemia do Covid-19, o espírito dos revolucionários está sempre com os algozes, não vá o acaso atribuir-vos a vocês o outro papel.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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ointerior

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