Ainda há pouco tempo se cantavam hosanas a um primeiro-ministro e ao seu governo pelos brilhantes resultados obtidos com a redução da dívida pública. Não importava muito a forma como foram obtidos. Se por favor da conjuntura internacional ou se devido aos sacrifícios dos portugueses. Ou se por qualquer outra via. O que se sabia é que os lucros da banca batiam recordes. O mesmo acontecia com as grandes empresas de distribuição, alimentares, eletricidade e outras, enquanto o povo definhava.
Neste cenário, o primeiro-ministro agarra-se como lapa a um parágrafo lacónico de um comunicado da Procuradoria-Geral da República, sente-se ofendido na sua honra e apresenta a sua demissão ao Presidente da República. Cumulativamente são detidas figuras da proximidade do primeiro-ministro ou influentes decisores que gravitam no seu universo mais próximo. Somam-se detenções que envolvem um autarca e figuras de proa de um empreendimento.
A cerejinha no cimo do bolo foi o facto de haver ministros e ex-ministros constituídos arguidos noutro caso relacionado com explorações mineiras e com escandalosas transferências de produção de eletricidade a preços elevados para outros ainda bem mais elevados. Tudo feito com o conluio das três empresas dominantes do mercado, REN, GALP e EDP.
No meio desta salganhada, Costa, percebendo que o seu delfim e protegido, Galamba, estava indiciado como arguido, recorreu a um golpe de asa duplamente patético. Por um lado, protegeu o afilhado até um ponto que a maioria das pessoas considerará inaceitável. Por outro, ao vitimizar-se, apresentou-se como alguém pretensamente impoluto e vítima das circunstâncias. Na semana passada mergulhou o país na mais profunda crise política de que há memória num governo de maioria absoluta…
Costa foi, afinal, igual a si mesmo. Lembram-se do caso da TAP, em que as atenções da Comissão Parlamentar de Inquérito foram todas desviadas para um caso de polícia que envolveu cenas de pancadaria, roubo de computadores e quebras de vidros, em vez de irem para a questão de fundo, a da privatização e venda da companhia?
O problema é que agora a coisa foi mais complicada e com muito mais sumo. No caso das broncas do universo TAP, as polícias e o Ministério Público foram chamados a intervir depois dos acontecimentos. Agora foi ao contrário, foram as polícias e o Ministério público os libertadores da turbulência.
A situação não podia por isso ser ignorada pelo Presidente da República. O seu instinto leva-o geralmente a procurar soluções dúbias, mal engendradas, meias soluções, tudo a prejudicar os portugueses e sempre, mas sempre, em prol dos mais fortes e poderosos e, sobretudo, visando a sobrevivência de uma classe política que não vale um chavelho. O problema é que aqui não havia espaço para esse instinto, nem sequer à martelada! Galamba, com todo o seu histórico de comportamentos como pistoleiro político, de que o último episódio foi a sua sarcástica intervenção final no debate do Orçamento, não deixou margem de manobra a ninguém.
Galamba foi uma espécie de iceberg do Titanic em que tudo isto se transformou, só que em vez de rebentar com o navio a partir de fora, rebentou com ele a partir da casa das máquinas! Foi como se os frigoríficos do navio tivessem desatado a produzir gelo a um ritmo galáctico, até rebentarem com tudo à sua volta, mesmo no meio dos trópicos!
O que me espanta, no meio de tudo isto, é que Costa não tenha percebido que até se pode enfiar facadas nas costas de colegas do partido, prometer mundos e fundos e não cumprir, ser-se mentiroso, demagogo e manipulador, ter-se uma ambição desmedida e sem limites, etc., etc. Pode-se ser realmente tudo isso e até muito pior. Mas o que não se pode ser é tótó. Os totós são aqueles que se deixam apanhar. Pior do que eles só aqueles que esquecem a velha máxima segundo a qual com certos amigos um homem não precisa de inimigos para nada…
Amigos, inimigos, icebergs e totós
“No meio desta salganhada, Costa, percebendo que o seu delfim e protegido, Galamba, estava indiciado como arguido, recorreu a um golpe de asa duplamente patético. Por um lado, protegeu o afilhado até um ponto que a maioria das pessoas considerará inaceitável. Por outro, ao vitimizar-se, apresentou-se como alguém pretensamente impoluto e vítima das circunstâncias.”